A ciência moderna está estreitamente associada a um poder sobre as coisas, e sobre o próprio homem, e é por isso que ela aparece ligada à tecnologia a ponto delas serem indiscerníveis. Ela, porém, não deixa de constituir um tipo de procedimento cuja finalidade própria e imediata é fornecer conhecimentos cada vez mais extensos, precisos e confiáveis. O estatuto desses conhecimentos é que se deve tentar apreender se se deseja compreender por que o saber científico, num imenso número de casos, prolonga-se tão naturalmente numa habilitação que já pertence à esfera da tecnologia. Poder-se-ia dizer, para chegar imediatamente ao essencial, que o saber científico não é nem do tipo sapiencial, nem do tipo contemplativo, nem do tipo hermenêutico, mas do tipo operatório. […]
Sabedoria, visão contemplativa, interpretação do sentido: não se pode negar que o discurso científico conserva algo dessas três inspirações. Talvez extraia delas, mesmo, sua virtude mais secreta; talvez seja por uma espécie de derivação que ele acabe se integrando à ação e interpretando a si mesmo como ação. E pode ser que o dia em que a ciência não for nada além de um “fazer”, o dia em que tiver perdido totalmente o contato com suas raízes especulativas, ela esteja completamente esgotada. […]
Mas se é verdade que a ciência continua a enraizar-se naquelas formas fundadoras do saber, não deixa de ser verdade que ela conquistou sua originalidade afastando-se de maneira refletida dos modos puramente especulativos ou interpretativos de conhecimento e elaborando processos próprios de aquisição de conhecimento. Como já foi sugerido, o que está no centro desses processos é a ideia de operação.
Excertos de J. Ladrière, As questões da racionalidade (Le défi de la science et de la technologie aux cultures [O desafio da ciência e da tecnologia às culturas], Aubier-Unesco, 1977, pp 28 29, 33, 34)