Pierre Lévy (Virtual) – A Virtualização

Compreende-se agora a diferença entre a realização (ocorrência de um estado pré-definido) e a atualização (invenção de uma solução exigida por um complexo problemático). Mas o que é a virtualização” Não mais o virtual como maneira de ser, mas a virtualização como dinâmica. A virtualização pode ser definida como o movimento inverso da atualização. Consiste em uma passagem do atual ao virtual, em uma “elevação à potência” da entidade considerada. A virtualização não é uma desrealização (a transformação de uma realidade num conjunto de possíveis), mas uma mutação de identidade, um deslocamento do centro de gravidade ontológico do objeto considerado: em vez de se definir principalmente por sua atualidade (uma “solução”), a entidade passa a encontrar sua consistência essencial num campo problemático. Virtualizar uma entidade qualquer consiste em descobrir uma questão geral à qual ela se relaciona, em fazer mutar a entidade em direção a essa interrogação e em redefinir a atualidade de partida como resposta a uma questão particular.

Tomemos o caso, muito contemporâneo, da “virtualização” de uma empresa. A organização clássica reúne seus empregados no mesmo prédio ou num conjunto de departamentos. Cada empregado ocupa um posto de trabalho precisamente situado e seu livro de ponto especifica os horários de trabalho. Uma empresa virtual, em troca, serve-se principalmente do teletrabalho; tende a substituir a presença física de seus empregados nos mesmos locais pela participação numa rede de comunicação eletrônica e pelo uso de recursos e programas que favoreçam a cooperação. Assim, a virtualização da empresa consiste sobretudo em fazer das coordenadas espaço-temporais do trabalho um problema sempre repensado e não uma solução estável. O centro de gravidade da organização não é mais um conjunto de departamentos, de postos de trabalho e de livros de ponto, mas um processo de coordenação que redistribui sempre diferentemente as coordenadas espaço-temporais da coletividade de trabalho e de cada um de seus membros em função de diversas exigências.

A atualização ia de um problema a uma solução. A virtualização passa de uma solução dada a um (outro) problema. Ela transforma a atualidade inicial em caso particular de uma problemática mais geral, sobre a qual passa a ser colocada a ênfase ontológica. Com isso, a virtualização fluidifica as distinções instituídas, aumenta os graus de liberdade, cria um vazio motor. Se a virtualização fosse apenas a passagem de uma realidade a um conjunto de possíveis, seria desrealizante. Mas ela implica a mesma quantidade de irreversibilidade em seus efeitos, de indeterminação em seu processo e de invenção em seu esforço quanto a atualização. A virtualização é um dos principais vetares da criação de realidade.

LÉVY, P. O que é o Virtual? Rio de Janeiro: Editora 34, 1996.