Lanciani2003
O problema do conhecimento tem perseguido toda a história do pensamento ocidental, e todos os pensadores têm questionado o significado, as possibilidades e os objetivos do conhecimento. É claro que, desde o nascimento do pensamento científico moderno, a ciência tem representado um grande problema para qualquer teoria do conhecimento e, em certo sentido, a pedra angular de qualquer conhecimento que pretenda ser apodíctico e suportável sem qualquer dúvida. Para entender a complexidade da relação entre conhecimento e [14] ciência, basta pensar na relação entre o ceticismo humeano e o criticismo kantiano, que lida precisamente com as condições de possibilidade do conhecimento científico.
Sem querer entrar em toda a história da filosofia ocidental, temos que reconhecer que a novidade introduzida pelo cognitivismo é uma novidade epistemológica genuína: enquanto a epistemologia tradicional se propõe a questionar a ciência em termos de seu significado, seu valor e seus métodos, o cognitivismo elimina a questão do significado e do valor e permanece apenas no nível do método.
Voltaremos a esse assunto mais tarde, mas já podemos ver que estamos testemunhando um tipo de efeito de feedback de uma mudança muito instrutiva na terminologia, o que nos dá um primeiro vislumbre dos loops linguísticos que testemunharemos ao longo deste ensaio: os dicionários relatam dois significados da palavra epistemologia. Por exemplo, o Petit Robert (ed. 2000) explica que a palavra significa :
1° Um estudo crítico das ciências, destinado a determinar sua origem lógica, valor e escopo […]
2° (da epistemologia) Teoria do conhecimento e sua validade.
Para simplificar, o cognitivismo não está interessado em responder a perguntas sobre “o que” (era) ou “por que” do conhecimento; seu único interesse é o “como”. Os termos de A. Kremer-Marietti são, portanto, totalmente apropriados:
Quanto à filosofia cognitiva, que, portanto, não está preocupada com o “o quê” do conhecimento, mas com o seu “como”, as perguntas “Como sabemos?”, “Como pensamos?” dizem respeito tanto ao status dos dados sensíveis quanto ao das palavras da linguagem ou dos signos em geral. Essas perguntas se aplicam tanto à sensibilidade quanto à inteligibilidade e à atividade [ênfase adicionada].[[A. Kremer-Marietti, La philosophie cognitive, coll. Que sais-je ?, n° 2817 ; P.U.F. Paris, 1994; p. 8]]
Observemos que fizemos uma passagem que não deve passar despercebida: no quadro atual das ciências cognitivas, temos também uma filosofia cognitiva que se anuncia, antes de mais nada, precisamente como uma epistemologia, um pouco enviesada, mas ainda assim uma epistemologia. Na realidade, a estratégia cognitivista é ainda mais restritiva, porque se não nos depararmos com a dimensão da epistemologia como uma filosofia da ciência, isso significa que não saímos da própria ciência. Em outras palavras, para colocar isso nos termos mais claros possíveis, embora permanecendo no nível do pragmatismo mais seco imaginável, é óbvio que a ciência abrange todas as possibilidades de uma filosofia, e que essa mesma filosofia não pode tentar “pensar” a ciência que a abrange fora das mesmas categorias que a ciência fornece. O fato de que isso já está altamente colorido por uma referência um tanto circular deve começar a ficar claro, mas voltaremos longamente à estratégia reducionista maciça que é anunciada desde o início a fim de enfatizar o caráter pelo menos “bizarro” dessa filosofia. Ao buscar o lado positivo e propositivo da análise das ciências cognitivas, ao tentar permanecer o mais fiel possível às afirmações que as caracterizam, uma luz completamente diferente é lançada sobre a tese de F.J. Varela de que devemos sempre falar de CTS, o acrônimo que define o que até agora chamamos de “ciências cognitivas” mais precisamente como Ciências e Tecnologias da Cognição [[F.J. Varela, Invitation aux sciences cognitives, coll. Points, Editions du Seuil, Paris, 1996]].
De fato, e esse é o primeiro resultado a que chegamos, ao escolher uma epistemologia ruim, parece necessário que a possível “consistência” dessa “filosofia” seja, pelo menos parcialmente, deslocada para o terreno da prática operacional. Em outras palavras, se o “como” se torna o único momento do conhecimento digno de atenção, parece evidente que é somente a realização concreta desse “como” que pode justificar as conquistas teóricas dessa ciência. Segue-se, então, que o momento “tecnológico”, quando as ferramentas experimentais são concretamente criadas e implementadas, torna-se absolutamente decisivo. Além disso – e essa é uma tese importante do cognitivismo – também fica claro que o papel da tecnologia é, de certa forma, fabricar objetos que são a manifestação concreta da compreensão que podemos ou não ter de um determinado assunto de estudo: compreender – na perspectiva cognitivista – é reproduzir, replicar.