1) — A que se referiam os filósofos quando perguntavam se a coisa estava fora do ato de percepção? A palavra “fora” e outras semelhantes assinalam uma relação topológica puramente negativa, ou, num sentido mais amplo, a negação de qualquer relação do tipo que une certos elementos a suas classes.

A significação topológica é a que se apresenta primeiro, pois é fácil demonstrar que seria absurdo aplicá-la a uma pergunta semelhante. Com efeito, dizemos que sabemos o que é o espaço, e depois perguntamos se a coisa, determinada espacialmente, se encontra em um lugar onde não está o ego que a percebe, igualmente determinado pelo espaço. Não há um só filósofo no mundo inteiro que, entendendo a pergunta dessa maneira, tenha respondido que a coisa é uma parte espacial do corpo que a percebe; de fato, nas doutrinas chamadas subjetivistas, o próprio espaço é visto como derivado do ato de percepção.

Por outro lado, se a palavra “fora” assinala a não-pertinência do elemento a uma classe, então é necessário perguntar de que classe se trata. Da classe dos chamados atos experienciais? Não está claro o significado da proposição segundo a qual a coisa percebida não é um elemento da totalidade do ato de percepção (a distinção entre ato, conteúdo e objeto de percepção, feita por Meinong e Twardowski, é uma abstração que aceita as premissas da metafísica realista e não pode ser pressuposta na pergunta que esta procura legitimar). Mas se é assim, a pergunta é se a coisa existe realmente, com o que se quer dizer: a coisa está presente na situação na qual o ato de percepção está ausente? Pois bem, não temos nenhuma intuição evidente de um ato de existência que não consista na pertinência a uma classe determinada. Portanto, a pergunta equivaleria a esta outra: a coisa pertence à classe das coisas independentes da situação de percepção? Para responder a esta pergunta seria preciso intuir a presença (existência) dessa classe das coisas, que, por sua vez, deveria ser determinada pela referência a uma classe da qual ela seria classe parcial: em última análise, a classe universal, ou seja, o mundo ou o todo. Mas, uma vez que não chegamos a intuir uma existência absoluta (ou seja, uma existência que, por sua vez, não consista na pertinência a uma classe), não tem sentido perguntarmos se existe o todo. A própria pergunta parte de premissas falsas e não pode ser formulada.

Mas a pergunta também foi feita de outro modo; o ato de percepção é meu quando o objeto é idêntico a uma determinada qualidade do ato (o conteúdo); o objeto é minha qualidade, ou uma propriedade do chamado eu que tem a vivência de sua própria identidade. A ilusão cartesiana de que temos a intuição irrecusável do eu (ilusão oculta nessa pergunta) não é mais que uma abstração introduzida na experiência, como foi demonstrado (Husserl, James). A percepção não contém nenhum ego.

KOLAKOWSKI, L. A Presença do mito. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981.

Leszek Kolakowski