A estatística, como a entendem seus fundadores na escola alemã, é a ciência da constituição do Estado; procede essencialmente por descrições de tipo literário, e reúne elementos, do que atualmente se denomina: ciência política e geografia humana. O caráter universitário desta disciplina, com um certo pedantismo intelectual, procura fortalecê-la pelo uso ostensivo do princípio das quatro causas de Aristóteles.
Desta maneira, supõe que cada país poderia ser descrito seguindo o método das quatro causas: causas materiais (território e população), causa final (meta natural da comunidade), causa formal (direito, costume) e causa eficiente (administração). Estas quatro causas, cujo manipulação atualmente não é de uso ordinário, definiam princípios de uso corrente nas universidades do século XVII, dentre os quais se destacavam a causa formal, encarnada pelo governo ao ditar o direito, e a causa final, expressa na meta natural de uma comunidade, cuja revelação era dada pela estatística.
Esta estatística universitária alemã será incapaz de acompanhar as transformações sofridas pelo Estado e pela sociedade ao final do século XVII. Segundo Marx, ela degenerará em uma “bouillie”, dando lugar à “aritmética política” inglesa, que herdará o nome de estatística. Antes de desaparecer, a estatística original alemã, combaterá a “nova estatística”, qualificando-a de Tabellenstatistik, praticada por “serviçais de tabelas”.
A aritmética política inglesa, ancestral imediata de nossa estatística, foi inventada por William Petty (1632-1687), médico e homem político, admirado até por Marx. Impregnado da nova racionalidade, fruto da Razão Moderna, Petty defendeu a precisão, com base em números, pesos e medidas, em lugar do uso de discursos e argumentos, mesmo que racionais. Segundo ele, as questões de governança devem ser conduzidas de acordo com as regras ordinárias da aritmética, a exemplo de demonstrações matemáticas.
Em sua Aritmética Política de 1671, Petty se bateu também contra a ilusão que consiste em atribuir o milagre holandês daquela época, à alguma inteligência superior de seu povo. Para Petty, a prosperidade holandesa era decorrente do trabalho assíduo de comerciantes e marinheiros, favorizados por sua posição geográfica: ganha-se mais pela industria que pela agricultura, e mais ainda pelo comércio que pela industria.
Fazendo gravitar o problema da prosperidade ao redor do comércio, submetendo todas as esferas da produção à uma moeda fixa, e enaltecendo governança pela informação apurada por uma estatística contábil universal, Petty estabeleceu um novo “eixo de rotação” da Terra. Segundo o filósofo Marc Sautet, Copérnico havia feito da Terra um planeta como os outros, mas Petty fez da “Terra” uma mercadoria como qualquer outra [Sautet, 1995].
Desta forma, a aritmética política ofereceria uma nova “linguagem”, segura e universal; além da aspiração de estar definindo os meios para um debate democrático, graças ao uso que faz da medida e da racionalidade, igualmente publicáveis e controláveis. Bem recebida em toda Europa do Iluminismo, teve sua reprodução ampliada e reforçada pela Matemática Social de Condorcet e os Ensaios de Aritmética Política de Buffon.
O século XIX presenciou o amadurecimento, entre outros frutos da Razão Moderna, da estatística. Seus instrumentos matemáticos são forjados então, em estreita relação com o desenvolvimento de uma entusiástica coleta de informações. Esta expansão da estatística pode ser explicada com base na:
- conduta natural de uma burguesia em ascensão, interessada em inventariar e assumir o comando de seu novo domínio;
- tentativa de matematização universal, já explicada na seção anterior, em curso desde o final da Renascença;
- encarnação progressiva do espírito do Iluminismo, tão bem expresso em Saint-Simon, mas já embrionário em Kant – uma sociedade pode ser feita;
- “febre” de crescimento dos Estados e do imperialismo colonialista, exigindo o aperfeiçoamento de suas administrações e da correlata produção de dados;
- progressiva instalação de organizações industriais e financeiras, com seus crescentes requisitos informacionais.