Não há como evitar tratar do que seja um Sistema de Informação, sem o qualificador “geográfico” que o torna um SIG. Vamos ensaiar uma resumida aproximação ontológica do que vem a ser um “Sistema de Informação”, com todo o cuidado necessário para não coisificá-lo ou mesmo objetivá-lo, em uma armadura estrutural, funcional ou aplicativa. Uma razão a mais para este ensaio, é que, muito provavelmente, este esforço deve oferecer novos insights sobre a natureza do SIG.

Como uma primeira aproximação da quididade do “Sistema de Informação”, tomando um contexto específico (“pesquisa acadêmica”, um de seus “hábitats” prediletos, junto com outras organizações privadas e públicas), pode-se afirmar que este título designa algo no gênero de um “sistema de investigação”, no caso particular da pesquisa acadêmica. Algo que guarda uma certa analogia com uma disciplina ou cadeira de estudo. Uma disciplina, como por exemplo a própria Geografia, pode ser entendida como um sistema ordenado de conhecimento, e de suas formas de obtenção: uma disposição organizada do saber sobre uma área específica de conhecimento, e de procedimentos sobre a acumulação e reprodução deste conhecimento.

A informatização pretende que este saber seja passível de se trasladar para uma organização de pessoas e tecnologias da informação, operando em conformidade com um elenco finito de dados simbólicos e algoritmos de tratamento destes dados, dentro de um campo delimitado de investigação ou um conjunto finito de problemas. O sistema de investigação seria desta forma apropriado, ou seja, tornado próprio de uma organização ou parte dela, enquanto Sistema de Informação conjuntando pessoas e tecnologias da informação, com forte ênfase no papel desempenhado por estas últimas, e não pelas tecnologias.

O referido hábitat, no caso o contexto “pesquisa acadêmica”, onde se constitui o tipo de “Sistema de Informação” descrito acima, é apenas um dos que se poderia identificar entre os possíveis “hábitats”, dos quais se destacariam ainda: a organização empresarial privada, a organização governamental pública, a industria de comunicação e entretenimento etc.. Neste trabalho, focalizando o SIG, é dada uma preferência particular aos hábitats denominados pesquisa acadêmica e organização governamental, e, portanto, a uma análise do tipo de “Sistema de Informação”, que se constitui e se institui nestes hábitats.

Considerando o contexto “organização governamental”, onde também se faz intenso uso de toda espécie de “Sistema de Informação”, é importante notar sua enorme receptividade em instituições que se afinam com uma determinada corrente de gestão que privilegia, desde o século passado, o que John Friedmann1 denomina “planejamento como reforma social”. O Sistema de Informação”, enquanto base de registro e controle de informações sobre homens e bens, como possíveis recursos para o “progresso e desenvolvimento”, se ajusta perfeitamente a esta visão de “engenharia social”, que desde Jeremy Bentham, passando por Saint-Simon, se opõe a uma visão humanista mais primordial, que reconhece a importância da capacitação humana e da mobilização social, na gestão de bens e pessoas.

Voltando à ideia original de Churchman2, ao considerar o “Sistema de Informação” como símile de uma disciplina qualquer, como um “sistema de investigação”, admite-se, de certa forma, a linha de pensamento que vem prevalecendo mais recentemente, e que entende a Ciência Moderna como uma entre outras maneiras de saber, segundo distintos Métodos, de acordo com o objeto histórico ou físico para o qual se volta. Seguindo este entendimento, na mesma linha de Churchman, os objetos de estudo seriam passíveis de serem modelados, ou no mínimo codificados como “dados simbólicos”, e operados por instruções sob a forma de algoritmos.

“Dividir para conquistar”, e em seguida reunir as “partes” em uma organização de pessoas e de máquinas, é uma das características do processo ontogênico de um “Sistema de Informação”. No caso do SIG, esta ontogenia se complica por dois fatores mais relevantes: 1) a ilusão de que se dispondo de um pacote sig, já se tem um SIG; 2) pela natural dispersão e sistematização, por diferentes instituições de pesquisa e órgãos governamentais, dos dados espaciais e estatísticos requeridos para sua constituição; complicação acrescida pelas limitações, padrões e protocolos de integração, ainda impostos pela tecnologia, especialmente de informática e de comunicações.

Fazendo uso de uma possível metáfora, sobre mais uma das figuras de Escher, pode-se contemplar com mais nuanças ainda, essa última característica do “Sistema de Informação”, e do SIG em particular. A interdependência interna das entidades requeridas na constituição de um SIG, assim como a interdependência externa dos organismos, necessários para instituição do SIG, em uma dada organização, estão bem retratadas na litogravura de Escher.

 

Um Sistema de Informação tem em seu “core” o que se poderia denominar um “Sistema de Informática”, que abrange outros componentes, além da simples tecnologia (hardware, software e facilidades de comunicação), porém imanentes a sua concepção e que servem de fôrma, de molde na constituição de um “Sistema de Informação”:

• os dados, ou melhor as estruturas de dados e arquivos correspondentes, que irão abrigar os dados posteriormente, determinando o que se denomina no SIG, a base espacial e a base de dados, ou de atributos;

• as aplicações, entendidas como o conjunto de programas de computador, ou funções programadas, que garante a funcionalidade disponível para o desenvolvimento, a operação e a manutenção de um conjunto de “processos eletrônicos”, associados à tarefa a qual se destina a tecnologia; no caso do SIG, estas aplicações crescem em quantidade e capacidade, em uma total associação com o, e dependência do, potencial oferecido pela base espacial e de dados;

• os serviços, enquanto atividades de sustentação técnica, operacional e administrativa da tecnologia, dos dados e das aplicações, praticadas por usuários, profissionais e fornecedores, e indispensáveis para a utilização eficaz e eficiente de todo o “Sistema de Informática”.

Compete à(s) pessoa(s), como na figura abaixo, o papel maior de configurar e dimensionar o “Sistema de Informática”, selecionar seus componentes entre tantos, e elevá-lo a posição adequada, para recebendo a melhor incidência de luz do ambiente sócio-político, e refletindo da melhor forma o contexto organizacional onde deve residir, tenha a capacidade de atender à organização, e à seus usuários individualmente. O “Sistema de Informação” é, portanto, uma construção de natureza social que se elabora sobre o “Sistema de Informática”, conforme bem retrata a figura abaixo.


  1. FRIEDMANN, J.. Planning in the Public Domain: From Knowledge to Action. Princeton: Princeton University Press, 1987. 

  2. CHURCHMAN, C. W.. The Design of Inquiring Systems. New York: Basic Books, 1971. 

Murilo Cardoso de Castro