de Castro – Modo de informação e resistência segundo Poster

Dito isto, falta perguntar em que é que o modo de informação, depois de analisar as estruturas discursivas de dominação e, em particular, as bases de dados como super-panopticon, pode despoletar o potencial libertador de todo e qualquer padrão de experiência linguística. Com efeito, alinhando o modo de informação com o modo de produção marxista, há como que um dever de oferecer, ou pelo menos de descortinar, uma saída para a dominação que os meios electrónicos de comunicação, nomeadamente as bases de dados, exercem enquanto discursos configuradores da própria subjectividade. Poster rejeita a solução de Lyotard, feita em A Condição Pós-Moderna, de uma acessibilidade plena e universal às bases de dados. E rejeita-a pelo princípio teórico de que parte, o de que as bases de dados são constituintes de sujeitos. A solução de Lyotard ainda é moderna, já que “a tese da liberalização das bases de dados pressupõe a figura social do sujeito centrado e autónomo que as bases de dados rejeitam.” Ora a posição verdadeiramente pós-moderna, a assumida por Poster, é de que os sujeitos se fazem e se refazem pelos discursos e em particular pelos discursos extremamente performativos das bases de dados. “A função cultural das bases de dados não é tanto a instituição de estruturas de poder dominante contra o indivíduo, mas a restauração da própria natureza do indivíduo.”

A proposta libertadora de Poster assenta na multiplicidade de sujeitos que as bases de dados efectivamente criam. Ao contrário do panopticon, que segundo Foucault criava “o indivíduo moderno, ‘interiorizado’, consciente da sua auto-determinação”, o super-panopticon gera “indivíduos com identidades dispersas, identidades de que eles podem nem sequer ter consciência. O escândalo do super-panopticon é talvez a violação flagrante do importante princípio do indivíduo moderno, da sua identidade centrada, ‘subjectivada’.” É justamente com base nas novas identidades que se podem gerar movimentos de resistência. A resistência tem de partir não da concepção moderna do indivíduo autónomo, mas da constatação das identidades sempre em mutação que o novo mundo da comunicação electrónica contantemente gera. “A via para uma maior emancipação deve passar pelas formações do sujeito do modo de informação e não pelas da precedente era moderna e da sua cultura, em rápido declínio.”

É justamente nos movimentos que surgem a partir das novas identidades, nas comunidades de algum modo virtuais, que surge a possibilidade de resistência às estruturas de dominação. A desconstrução da racionalidade autónoma típica da modernidade e consequente fragmentação de identidades pelas comunicações electronicamente mediadas constituem desde logo, segundo Poster, uma base para a crítica das formas de dominação que preponderantemente elas próprias geram. Embora haja, com a comunicação electrónica, um fortalecimento das estruturas modernas, ele ocorre ao mesmo tempo que surgem interstícios entre essas estruturas, interstícios que só emergem devido às novas tecnologias. Poster refere o impacte político da comunicação eletrónica na “propagação dos movimentos de protesto exteriores ao paradigma modernista, algumas posições feministas e étnicas, certos aspectos de algumas políticas gays e lésbicas, certo tipo de preocupações ecológicas e anti-nuclea-res.” Existe aqui um questionamento da ideologia moderna e uma alteração dos termos da discussão política.

Resumindo. O potencial libertador do modo de informação está fundamentalmente na intelecção da fragmentação do sujeito. “Esclarece o modo de ver o self como múltiplo, mutável, fragmentado, em resumo como fazendo um projecto da sua própria instituição.” Ora esse esclarecimento permite o desafio das práticas e discursos tradicionais de dominação. “Esta possibilidade desafia todos aqueles discursos e práticas que poderiam restringir este processo, que poderiam fixar e estabilizar a identidade, fossem estes fascistas que assentam as suas ideias nas teorias de raça essencialistas, liberais que se baseiam na razão ou socialistas que confiam no trabalho. Uma compreensão pós-estruturalista das novas tecnologias da comunicação levanta a possibilidade de uma cultura e sociedade pós-moderna que ameaça a autoridade como a definição da realidade pelo autor.”

Referências:

Tese de Doutorado em Filosofia (UFRJ, 2005)

DE CASTRO, M. C. O que é informática e sua essência. Pensando a “questão da informática” com M. Heidegger. UFRJ-IFCS, , 2005. Disponível em: <https://www.academia.edu/43690212/O_que_%C3%A9_inform%C3%A1tica_e_sua_ess%C3%AAncia_Pensando_a_quest%C3%A3o_da_inform%C3%A1tica_com_M_Heidegger>