de Castro – “iluminação” da técnica

Um reflexo implica em uma superfície de reflexão, que, de acordo com sua capacidade de reflexão e sua forma, ordena e determina a conformação deste reflexo. Ao mesmo tempo, qualquer reflexo é propiciado também por uma luz que assim vem garantir toda esta reflexão.

Essa imagem pode ser entendida como uma metáfora da tecnologia, do meio e da com-posição. A essência da técnica que ilumina e colore todo o meio, propicia que o reflexo de algo sobre a tecnologia se dê em conformação com a natureza técnica-científica-informacional do meio e da técnica. Sem ser diretamente visto, o mundo circundante do Dasein, se restringe ao meio.

Esta luz que dá visibilidade e colorido a tudo, interpretada como a com-posição, evidencia e legitima, a seu modo, a própria técnica. Da mesma maneira, o meio técnico-científico-informacional sob a luz da com-posição, constituinte e constituído pela tecnologia da informação-comunicação, evidencia e legitima o engenho de representação e o dar-se e propor-se da informática.

Este meio dita, por sua vez, o “problema” que orienta o dar-se e propor-se da informática. Ou seja, a perspectiva de adoção da tecnologia em uma situação iluminada pela com-posição. Este problema se apresenta à montante deste dar-se e propor-se, em consonância com a “problemática”, que leva ao uso de uma tecnologia para sua solução, à medida que considera todo e qualquer problema como passível de uma leitura em termos de uma solução de natureza informacional-comunicacional.

Ao longo da aplicação e uso do engenho, o problema se apresenta, por sua vez, transfigurado em desafio metodológico e técnico na constituição do dar-se e propor-se da informática. Este desafio toma conta e enreda o ser-no-meio de tal maneira que este sucumbe a toda e qualquer reflexão sobre “o que” está fazendo ou constituindo, dada à exigência de decidir e responder, a todo momento, a questões de tipo “como” fazer para implementar a solução do problema, em termos informacionais-comunicacionais.

O engenho de representação, na base da solução informatizada do problema, configura até mesmo “o que” é preciso pensar e decidir e o “como” pensar e decidir de acordo com as disposições e dis-positivos do engenho.

Por fim, à jusante do dar-se e propor-se da informática, o problema se apresenta em termos de tentativas de conciliação dos resultados obtidos por este dar-se e propor-se, ou seja, em termos de conciliação desta constituição em si mesmo com o discurso que deve enquadrá-los. Sob a mesma luz que ilumina o meio isto se dá de maneira facilitada, e até mesmo garantida.

Os resultados obtidos se conformam à produção intelectual geral, na medida em que a informatização avança e universaliza o discurso do método informacional. Os discursos se conciliam sobre um método único, tendo como eixo norteador “o discurso do método informacional”. As divergências são aparentes já que os fundamentos são os mesmos.

A problemática que, em grande parte, emana da luz que ilumina o meio, e assim dita a configuração informacional-comunicacional do problema em um dar-se e propor-se da informática, deve ser bem analisada. Esta problemática adota a tecnologia enquanto engenho de representação, re-velando de certa maneira o meio. Ela pode também oferecer indícios das modalidades de atualização das virtualidades da tecnologia em um específico dar-se e propor-se da informática.

O problema, que só tem sentido, no meio iluminado pela com-posição, se define enquanto tal pelas propriedades que adquire em sua formulação informacional-comunicacional. O discurso do método informacional ganha seu lugar privilegiado na ciência, orientando toda e qualquer disciplina segundo uma abordagem única. O sonho do método universal se materializou, ou melhor dizendo se “maquina”, no sentido de “traçar com artifícios” sua instituição. A “maquina universal”, cristalização do “método universal”, doravante guia a constituição de qualquer dar-se e propor-se da informática, reduzida progressivamente à ação direta do homem que a “anima”.

Não há uma simples potencialização do ser humano como apregoam os entusiastas da informatização, mas o forte risco de uma despontencialização. O pensar sobre esta despontencialização carece de ser feito com a máxima urgência. As gerações que se desenvolvem sob esta despontencialização, sem questionar a essência da técnica, podem estar diante de uma perda lamentável sem salvação1): a de sua essência humana, a de sua alma.


  1. Mas o que é salvar? O que se tem em vista, nessa perspectiva, quando se diz essência? […] Salvar é, nesse registro, preservar o essencial a (ou em) algo, liberando-o, deixando sua essência aflorar, deixando-o ser segundo sua essência. Salvar é portanto atitude de liberação, inteiramente outra, por conseguinte, que a exploração desmesurada que predomina emulada pela armação tecnológica. (Bicca, 1999, pág. 167-168