de Castro – Luz e reflexo sobre a bola de cristal (computador?)

Um reflexo implica em uma superfície de reflexão, que, de acordo com sua capacidade de reflexão e sua forma, ordena e determina a conformação deste reflexo. Ao mesmo tempo, qualquer reflexo é propiciado também por uma luz que parece atravessar a janela ao fundo, por trás da pessoa, conforme indicado pela imagem refletida sobre a bola, vindo a garantir toda esta reflexão. Luz, por sua vez, que ilumina, colore e configura todo o quadro da imagem: metáfora da essência da informática, ordenadora e regente do meio técnico-científico-informacional que abarca, sem ser diretamente visto, todo o quadro; e certamente também responde à metafísica de nossa época, como diria Heidegger, a metafísica da representação do mundo.

Esta luz que dá visibilidade e colorido a tudo, interpretada como a chamada “com-posição” (tradução de Carneiro Leão do termo Ge-stell), evidencia e legitima, a seu modo, a própria técnica. Da mesma maneira, o meio técnico-científico-informacional sob a luz da “com-posição informacional e comunicacional”, imanente ao ápice da técnica moderna, a tecnologia da informação/comunicação, evidencia e legitima o engenho de representação e o “dar-se propor-se da informática”.

Este meio dita, por sua vez, o “problema” que orienta a constituição do “dar-se e propor-se da informática”. Ou seja, a perspectiva de adoção do computador em uma situação iluminada pela “com-posição”. Este “problema” se apresenta à montante, em consonância com a problemática, que leva a pessoa a usar um computador para sua solução, na medida que considera todo e qualquer problema como passível de uma leitura em termos de um problema de natureza informacional/comunicacional.

Ao longo da aplicação e uso do engenho, o problema se apresenta, por sua vez, transfigurado em desafio metodológico e técnico na constituição do “dar-se e propor-se da informática”. Este desafio toma conta e enreda o ser-neste-mundo-imediato de tal maneira que este sucumbe toda e qualquer iniciativa de reflexão sobre “o que” está fazendo ou constituindo, à exigência de decidir e responder, a todo momento, a questões de tipo “como” fazer para implementar a solução do problema, em termos informacionais-comunicacionais. O engenho de representação, na base da solução informatizada do problema, configura até mesmo “o que” é preciso pensar e decidir e o “como” pensar e decidir de acordo com a linguagem do computador, a estrutura e organização dos dados simbólicos, etc.

Por fim, à jusante da constituição do “dar-se e propor-se da informática”, o problema se apresenta em termos de tentativas de conciliação dos resultados obtidos, ou seja, em termos de conciliação desta constituição em si mesmo com o discurso que deve enquadrá-los. Sob a mesma luz que ilumina o meio isto se dá de maneira facilitada, e até mesmo garantida. Os resultados obtidos se conformam a produção intelectual geral, na medida que a informatização avança e universaliza o “discurso do método informacional”. Os discursos se conciliam sobre um método único, tendo como eixo norteador “o discurso do método informacional”, paródia moderna do “Discurso do Método” de Descartes. As divergências são aparentes já que os fundamentos são os mesmos.

A problemática que, em grande parte, emana da luz que ilumina o meio, e assim dita a configuração informacional-comunicacional do problema em um “dar-se e propor-se da informática”, deve ser bem analisada. Esta problemática adota o computador enquanto engenho de representação, re-velando de certa maneira o meio. Ela pode também oferecer indícios das modalidades de atualização das virtualidades do computador em um específico “dar-se e propor-se da informática”.

A razão de ser do computador, enquanto tecnologia da informação, ditada pela problemática iluminada pela “com-posição”, é a representação de um problema, sempre enquadrado sob a perspectiva de algo de natureza informacional-comunicacional. Este é um dos riscos maiores no “dar-se e propor-se da informática”: a própria razão de ser do engenho que o constitui se estatui sempre como razão de ser da informática instituída como solução infomacional-comunicacional de um problema.

Ou seja, o problema é metamorfoseado pelo engenho de representação, na claridade do meio, iluminado pela com-posição, que orienta a constituição de qualquer “dar-se e propor-se da informática”, limitando sobremaneira a mundanidade do ser-no-mundo, à quase um “sem-mundo” na ocupação informacional-comunicacional, em uma aplicação da informática.

No “dar-se e propor-se da informática”, o computador, como engenho de representação, aporta mais do que simples forma. A linguagem e a configuração técnica do computador, são co-responsáveis pela constituição do “dar-se e propor-se”. É preciso não apenas conhecer a “linguagem do computador”, mas conformar o pensar a ela. A “racionalidade” já programada nos circuitos (hardware), nas estruturas de dados simbólicos (bases de dados) e nos programas do computador (software), deve ser apropriada por quem quer que dele faça qualquer uso.

O problema científico, administrativo, organizacional, etc., que por vezes só tem sentido no meio iluminado pela com-posição, se define enquanto tal pelas propriedades que adquire em sua formatação informacional/comunicacional. O “discurso do método informacional” tem doravante seu lugar privilegiado na ciência, na economia, no social, no político e até no cultural, enquanto discurso enunciado permanentemente pelas tecnologias da informação e da comunicação que permeiam todas as atividades humanas.

O sonho do método universal se materializa, ou melhor dizendo, se “maquina”, se automatiza. A “maquina universal”, cristalização do “método universal”, guia a constituição do “dar-se e propor-se da informática”, reduzindo a mundanidade do Dasein, a condição de um ser-no-mundo-informacional-comunicacional, e, por conseguinte, fixando em estereótipos os atos da pre-sença que ainda assim a “anima”.

Não há potencialização do ser humano, em sua apropriação das tecnologias da informação e da comunicação, como apregoam os entusiastas da informatização, mas um imenso risco de despontencialização. A reflexão sobre este risco de despontencialização carece de ser feita com a máxima urgência. O “perigo que salva”, que Heidegger resgata da poesia de Hölderlin, ao examinar a questão da técnica, ronda ainda mais forte na era da informação e da comunicação. As gerações que se desenvolvem sob esta despontencialização podem estar diante de uma perda lamentável, de sua essência humana, de seu “pensar”, ou de sua alma.