Heidegger (GA24:112-114) – inato

HEIDEGGER, Martin. Os problemas fundamentais da fenomenologia. Tr. Marco Antônio Casanova. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 112-114

Ainda podemos exprimir a consonância do direcionamento desse caminho em meio às interpretações filosóficas de ser e realidade efetiva por meio de uma outra formulação do problema. Ser, realidade efetiva e existência estão entre os conceitos mais gerais que o eu por assim dizer traz consigo. Por isso, costumou-se denominar e ainda se denominam esses conceitos “ideias inatas”, ideae innatae. Elas acham-se por natureza no ser-aí humano. Com base em sua constituição ontológica, esse ser-aí traz consigo um ver, ιδειν, uma compreensão de ser, realidade efetiva, existência. Leibniz diz [113] em muitas passagens, ainda que de maneira muito mais tosca e plurissignificativa do que Kant, que só apreendemos na reflexão sobre nós mesmos o que seriam ser, substância, identidade, duração, transformação, causa e efeito. A doutrina do ser inato das ideias impera inteiramente de maneira mais ou menos clara sobre toda a filosofia. Contudo, ela é mais um desvio e um afastamento do problema do que uma solução. As pessoas se recolhem de maneira simples demais em um ente e nas propriedades desse ente, o ser inato, uma propriedade que não se esclarece mais ulteriormente. O ser inato não deve ser entendido aqui, por mais obscuramente que ele seja concebido, no sentido fisiológico-biológico, mas deve ser dito com ele o fato de que ser e existência são compreendidos antes do que o ente. Mas isso não significa que ser, existência e realidade efetiva seriam aquilo que o indivíduo particular primeiramente apreende em seu desenvolvimento biológico – que as crianças primeiro compreenderiam o que é existência. Ao contrário, essa expressão plurissignificativa “ser inato” indica apenas o anterior, o antecedente, o a priori, que se identifica desde Descartes até Hegel com o subjetivo. Só podemos arrancar desse beco sem saída o problema do esclarecimento de ser ou colocar esse problema pela primeira vez propriamente como problema, se perguntarmos: O que significa esse ser-inato, como é que ele é possível com base na constituição ontológica do ser-aí – como precisamos circunscrevê-lo? O ser-inato não é nenhum fato fisiológico-biológico, mas seu sentido reside na direção de que ser, existência, é anterior ao ente. Ele precisa ser concebido no sentido filosófico-ontológico. Por isso, também não se pode achar que esses conceitos e princípios seriam inatos, porque todos os homens reconhecem a validade dessas proposições. A concordância dos homens quanto à validade do princípio de não contradição é simplesmente um sinal do ser-inato, mas não o seu fundamento. O retorno à concordância e ao assentimento geral ainda não é nenhuma fundamentação filosófica dos axiomas lógicos ou ontológicos. Nós veremos em meio à consideração da segunda tese, a tese de que a todo ente pertence um quid e um modo de ser, o fato de que [114] se abre lá o mesmo horizonte, isto é, a tentativa de esclarecer os conceitos de ser a partir do retomo ao ser-aí do homem. Com certeza, também se mostrará que esse retorno, precisamente no que concerne a esse problema na ontologia antiga e medieval, não é tão expressamente formulado quanto em Kant. Faticamente, porém, ele se acha presente diante de nós.