de Castro – Ser-no-mundo

O ponto de partida de uma analítica do Dasein começa justamente pelo exame da constituição ontológica designada “ser-no-mundo”. Esta expressão composta refere-se a um fenômeno de unidade, a partir do qual é possível examinar um de seus momentos estruturais, “em-um-mundo”. O único caminho para alcançar o fenômeno “em-um-mundo” é, por sua vez, resgatar a “mundanidade” do ente que o Dasein depara no mundo cotidiano mais próximo: o mundo circundante (Umwelt).

À sua época, Heidegger se defrontou com uma grande dificuldade face às distintas conotações de “mundo”, ao evocar o existencial “ser-no-mundo”. Mas, soube orientar sua formulação segundo um sentido próprio de unidade e totalidade, onde o ser do Dasein existe em um “circuito fechado”, o ser-no-mundo, como afirma Hervé Pasqua1.

Na expressão ser-no-mundo, mundo não é um continente de entes que contenha também o ser, como mais um de seus entes, assim como não é algo que se ajunte de fora, ao Dasein, como um ente a outro ente. O mundo faz parte do ser do Dasein, tem com ele uma relação essencial e não acidental.

Após discernir que o Dasein existe, é meu, e é autêntico ou inautêntico, Heidegger se volta para este existencial, ser-no-mundo, onde os traços de união denotam um fenômeno unitário, no qual se mantêm juntos os diferentes momentos estruturais que compõem o Dasein, entre os quais o “ser-em”.

O ser-em, ao contrário, significa uma constituição ontológica da pre-sença [Dasein] e é um existencial. Com ele, por­tanto, não se pode pensar em algo simplesmente dado de uma coisa corporal (o corpo humano) “dentro” de um ente simplesmente dado. O ser-em não pode indicar que uma coisa simplesmente dada está, espacialmente, “dentro de outra” porque, em sua origem, o “em” não significa de forma alguma uma relação espacial desta espécie; “em” deriva de innan-, morar, habitar, deter-se; “an” significa: estou acostumado a, habituado a, familia­rizado com, cultivo alguma coisa; possui o significado de colo, no sentido de habito e diligo. O ente, ao qual pertence o ser-em, neste sentido, é o ente que sempre eu mesmo sou. A expressão “sou” se conecta a “junto”; “eu sou” diz, por sua vez: eu moro, me detenho junto… ao mundo, como alguma coisa que, deste ou daquele modo, me é familiar. O ser, entendido como infinito de “eu sou”, isto é, como existencial, significa morar junto a, ser familiar com.. . O ser-em é, pois, a expressão formal e existencial do ser da pre-sença que possui a constituição essencial de ser?no?mundo. (HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo I. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 1998, pág. 92)

A partícula “em” em “ser-em” reveste significações múltiplas que correspondem às tantas maneiras distintas de se comportar, de se conduzir, de se colocar, de modo autônomo, mas irredutível ao aspecto cognitivo. A diversidade de modos de se portar guarda, no entanto, um denominador comum, uma estrutura existencial comum: a ocupação (Besorgen). Em seu sentido ontológico, todas as maneiras de se portar manifestam um modo de ser fundamental: a cura (Sorge). “(…) entendida ontologicamente, o Dasein é cura” (ibid, pág. 95).

De acordo com o que foi dito, o ser-no-mundo não é uma “propriedade” que a pre-sença [Dasein] às vezes apresenta e outras não, como se pudesse ser igualmente com ela ou sem ela. O homem não “é” no sentido de ser e, além disso, ter uma relação com o mundo, o qual por vezes lhe viesse a ser acrescentado. A pre-sença nunca é “pri­meiro” um ente, por assim dizer, livre de ser-em que, algumas vezes, tem gana de assumir uma “relação” com o mundo. Esse assumir relações com o mundo só é pos­sível porque a pre-sença, sendo-no-mundo, é como é. Tal constituição de ser não surge do fato de, além dos entes dotados do caráter da pre-sença, ainda se darem a de­pararem com ela outros entes, os simplesmente dados. Esses outros entes só podem deparar-se “com” a pre-sença na medida em que conseguem mostrar-se, por si mesmos, dentro de um mundo. (Heidegger, 1986/1998, pág.95)


  1. PASQUA, Hervé. Introduction à la lecture de Être et Temps de Martin Heidegger. Lausanne: L’Age d’Homme, 1993