Heidegger (GA36-37) – O problema da verdade é ilusório

HEIDEGGER, Martin. Ser e Verdade. 1. A questão fundamental da filosofia. 2. Da essência da verdade. Tr. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Petrópolis, 2007, p. 144-145

Tentamos, na preleção anterior, interpretar mais precisamente o primeiro estágio do homem dentro da caverna, explicitando com mais exatidão os seus diversos momentos. Concluímos com a remissão para a última frase, da qual resulta que se trata do ἀληθές, do desencoberto.

Aqui se determina, se alude positivamente ao desencoberto; não a qualquer desencoberto, mas ao desencoberto, isto é, ao fato de, em toda situação, o homem se comportar e se remeter para o desencoberto, de estar, no sentido mais amplo, na verdade (ao mesmo tempo que na não-verdade). Ser homem e existir como homem diz, em última instância, estar na verdade.

Que é, pois, nesta situação, o desencoberto, o verdadeiro? O que é, para eles, o desencoberto? As sombras! Todavia, não fazem a experiência das sombras como sombras. Pressuposição disso seria a distinção entre claro e escuro, o que lhes é impossível. A luz e suas fontes estão às suas costas. Ora, estão impossibilitados de virar-se. Assim, este estado de iluminação geral da caverna é essencial para a condição dos homens e também para sua prisão.

Os homens designam o desencoberto como o sendo. O desencoberto é o que é e está sendo. Os homens não estão apenas no desencoberto, mas eles estão no διαλέγεσθαι, em primeiro lugar, num sentido da conversa e discussão uns com os outros; em segundo lugar, no sentido de significar o tipo de fala e declaração em que se apreende o sendo em seu ser, a dialética.

Trata-se aqui de uma insinuação, de um aceno grosso e rudimentar. Na leitura da situação dos homens na caverna, vimos que não tinham nenhuma condição de fazer a experiência de si mesmos e dos outros como sendo, mas só podiam experimentar as sombras que eles mesmos projetam; ainda estão, portanto, inteiramente aquém de claro e escuro, acham-se completamente tomados pelo que os sentidos oferecem. Sua situação é ατοπον, fora de qualquer lugar, sem nenhuma localização. Pois é justamente esta situação que constitui a situação de todo dia do homem.

Como se disse, não devemos simplesmente dispor os estágios um depois do outro, mas devemos sempre levar junto conosco o que se disse no estágio anterior. No primeiro estágio, tratou-se de um estado. O segundo estágio deve começar com uma história, já que se trata de uma história (de um acontecimento). Que acontece?