Heidegger (GA45) – História

HEIDEGGER, Martin. As Questões Fundamentais da Filosofia (“Problemas” seletos da “lógica”). Tr. Marco Antonio Casanova. São Paulo: Martins Fontes, 2017, §13

Mas a consideração historiológica não esgota a relação possível com a história; e isso a tal ponto que ela até mesmo impede e inviabiliza tal relação. Aquilo que denominamos meditação histórica é algo essencialmente diverso da consideração historiológica. Se expomos conscientemente a diferença entre o historiológico e o histórico também de maneira terminológica e a sustentamos em contraposição à mistura corrente dos dois termos, então, à base dessa exatidão no emprego vocabular, encontra-se uma postura pensante fundamental. A palavra “geschichtlich” [histórico] visa ao Geschehen [acontecer], à história [Geschichte] mesma como um ente2. A palavra “historiológico” designa um tipo de conhecimento. Não falamos de uma consideração histórica, mas de uma meditação. Meditação (um voltar-se para o sentido): entrar no sentido do que acontece, da história. “Sentido” visa aqui ao âmbito aberto das metas, critérios, impulsos, possibilidades de irrupção e poderes – tudo isso pertence essencialmente ao acontecimento.

O acontecimento como um modo de ser é próprio apenas do homem. O homem tem história, porque só ele pode ser histórico, isto é, só ele pode se encontrar e se encontra naquele âmbito aberto das metas, critérios, impulsos e poderes, na medida em que esse âmbito o suporta e subsiste sob o modo da configuração, direção, ação, resolução e padecimento. Só o homem é histórico – como aquele ente que, exposto ao ente na totalidade, se libera para o cerne da necessidade na confrontação com esse ente. Todo ente não humano é a-histórico, mas pode ser histórico em um sentido derivado; e isso é necessário, porquanto pertence à esfera daquela confrontação do homem com o ente. Uma obra de arte, por exemplo, tem sua história como obra. Nisso reside, porém, o seguinte: ela tem sua história com base no fato de ter sido criada pelo homem; mais ainda, com base no fato de que abre e mantém aberto como obra o mundo do homem.

Fica claro a partir daí o seguinte: o acontecimento e a história não são o passado nem aquilo que é considerado enquanto tal, ou seja, o historiológico. O acontecimento, contudo, também não é o atual. O acontecimento e o que acontece da história são, em primeiro lugar e sempre, o porvir, o ir-à-frente que veladamente vem ao nosso encontro, que descortina e se lança de forma arrojada; e, assim, aquilo que compele previamente para si. O porvir é o início de todo acontecimento. No início, tudo se acha resolvido. Ainda que aquilo que começou e que veio a ser pareça avançar para além de seu início, esse início permanece – aparentemente tendo se tornado ele mesmo o passado – de qualquer modo o que ainda se essencia, aquilo com o que tudo o que é vindouro deve se confrontar. Em toda história propriamente dita, que é mais do que a sequência do que se deu, decisivo é o caráter de porvir, isto é, a dignidade hierárquica e a extensão das metas do criar. A grandeza da criação é medida de acordo com o quão amplamente se consegue seguir a lei velada mais íntima do início e levar sua via até o fim. Historicamente inessencial, mas ao mesmo tempo inevitável, é, por isso, o novo, o desviante, o divergente e extravagante. Ora, como o inicial sempre se mostra, porém, como o mais velado, como ele permanece inesgotável e se subtrai incessantemente, como aquilo que respectivamente veio a ser logo se torna o habitual e como esse elemento habitual encobre, com sua propagação, o início, o inicial carece das viradas daquilo que se tornou habitual – das revoluções. A relação originária e autêntica com o início é, por isso, o revolucionário, que sempre libera uma vez mais, por meio do revolvimento do habitual, a lei velada do início. Por isso, o início não é preservado – porque não é de modo algum alcançado – pelo elemento conservador. Pois esse elemento constrói a partir daquilo que veio a ser o regular e ideal que, então, é sempre novamente buscado na consideração historiológica.