Heidegger (GA65:§76) – Historiologia

18) A forma oposta moderna em relação à ciência “experimental” é a “historiologia” que cria a partir de “fontes” e sua subespécie, a pré-historiologia, na qual talvez a essência de toda historiologia, o fato de que ela nunca alcança a história, pode ser elucidada da maneira mais penetrante possível. Toda “historiologia” se alimenta da comparação e serve à ampliação das possibilidades de comparação. Apesar de a comparação ter em vista aparentemente as diferenças, as diferenças nunca se tornam de qualquer modo para a historiologia uma diversidade decidida, ou seja, a unicidade do único e do simples, em face do qual a historiologia, caso ela pudesse se colocar algum dia diante de tal elemento único, precisaria reconhecer a si mesma como insuficiente. O pressentimento inconsciente da negação ameaçadora de sua própria essência pelo histórico é o fundamento de todos o mais íntimo, razão pela qual a comparação historiológica só concebe as diferenças, para ordená-las em uma região ulterior e mais enredada da comparabilidade. Toda comparação, no entanto, é em essência uma igualação, a rearticulação com algo igual, que não chega enquanto tal de modo algum ao saber, mas constitui aquele elemento autoevidente, a partir do qual toda explicação e referência possuem a sua clareza. Quanto menos a própria história, quanto mais apenas os feitos, as obras, os produtos e as opiniões são indicados, calculados de maneira exaustiva e apresentados enquanto eventos em sua sequência e diversidade, tanto mais facilmente a historiologia pode satisfazer o rigor que lhe é próprio. O fato de ela sempre se mover nessa região é comprovado da maneira mais evidente possível por meio do modo do “progresso” das ciências historiológicas. Esse progresso consiste na respectiva troca e na troca respectivamente diversa e causada das perspectivas diretrizes da comparação. A descoberta do assim chamado novo “material” é sempre a consequência, não o fundamento da perspectiva escolhida de maneira nova da explicação. Nesse caso, há tempos que se restringem, em meio ao aparente alijamento de todas as “interpretações” e “apresentações”, ao asseguramento das “fontes” que, então, são elas mesmas designadas os “resultados” propriamente ditos. Mas mesmo esse asseguramento dos “resultados” e do que pode ser encontrado passa ao mesmo tempo e necessariamente para o interior de uma explicação e, com isso, para a requisição de uma perspectiva diretriz (a mais tosca subordinação e inserção de um resultado na ordem do já encontrado é uma explicação). No transcurso do desenvolvimento da historiologia, não é apenas o material que cresce. Ele não se torna apenas mais abarcável e, por meio de instituições mais refinadas, mas rápido e confiavelmente acessível, mas ele se torna antes de tudo em si mesmo cada vez mais constante, isto é, mais invariável na mudança das perspectivas, às quais ele é submetido. O trabalho historiológico se torna por meio daí cada vez mais confortável porque só a aplicação de uma nova perspectiva interpretativa no material fixado precisa ainda ser levada a termo. A perspectiva interpretativa, porém, nunca é trazida à tona pela historiologia mesma, mas a historiologia se mostra sempre apenas como o reflexo da história atual, na qual o historiólogo se encontra, mas que ele não conhece precisamente em termos históricos. Ao contrário, a historiologia só consegue explicar as coisas, por fim, historiologicamente. A alternância da perspectiva interpretativa, contudo, garante, então, por um tempo mais longo, uma vez mais uma profusão de novas descobertas, o que, por outro lado, fortalece a historiologia mesma no autoasseguramento de sua progressividade, fixando-a cada vez mais no desvio que lhe é próprio ante a história. No entanto, caso uma determinada perspectiva interpretativa seja alçada ao nível da única perspectiva normativa, então a historiologia encontra nessa univocidade da perspectiva diretriz, além disso, ainda um meio para se elevar a uma posição acima da historiologia até aqui, alternante em suas perspectivas, e levar essa constância de sua “pesquisa” à correspondência há muito desejada com as “ciências exatas”, se tornando propriamente “ciência” – o que se anuncia no fato de que ela se torna capaz de ser funcionalizada e “institucionalizada” (por exemplo, de maneira correspondente às instituições da sociedade do Imperador Guilherme). Essa consumação da historiologia na “ciência” assegurada não é de maneira alguma contradita pelo fato de que sua principal realização é levada a cabo desde então sob a forma da produção de relatos (reportagens) e de que os historiólogos se tornam ávidos por tais apresentações da história do mundo. Pois a “ciência da imprensa” já está, e não por acaso, em curso. Ainda se vê nela uma subespécie, se não até mesmo uma degradação da historiologia, mas, em verdade, ela é apenas a derradeira antecipação da essência da historiologia enquanto ciência moderna. É preciso atentar para a junção inevitável dessa “ciência da imprensa” no sentido amplo com a indústria editorial. As duas, em sua unidade, emergem da essência técnica moderna. (Por isto, logo que a “Faculdade de filosofia” se decidir a se transformar naquilo que ela agora já é, a ciência da imprensa e a geografia se tornarão as suas ciências fundamentais. O definhamento interior dessas “faculdades”, que se estende por toda parte de maneira clara, é apenas a consequência da falta de coragem para alijar de maneira decidida o seu caráter aparente como faculdades filosóficas e abrir ao caráter de funcionamento das “ciências do espírito” (ciências humanas) futuras plenamente o espaço para a sua instituição). Apesar de a teologia continuar sendo determinada de maneira diversa no que concerne à “visão de mundo”, ela se acha, em termos puramente sintõnicos com o funcionamento, a serviço de sua determinação enquanto ciência, muito mais avançada do que as “ciências do espírito” (ciências humanas), razão pela qual não há nenhum problema quando a faculdade de teologia, em verdade, é colocada em uma posição atrás da faculdade de medicina e de direito, mas à frente da faculdade de filosofia. A historiologia, sempre compreendida a partir do caráter requisitado pela ciência moderna, implica um constante desvio diante da história. Mesmo nesse desvio, porém, ela mantém ainda uma ligação com a história, e isso traz a historiologia e o historiólogo para o interior de uma ambiguidade. Se a história não é explicada historiologicamente e computada erroneamente com vistas a uma imagem determinada para finalidades determinadas de uma tomada de posição e da formação de uma mentalidade, se a história mesma é muito mais reconduzida à unicidade de sua inexplicabilidade e, por meio dela, todo o revolvimento historiológico e toda opinião e crença que emergem desse revolvimento são colocados em questão e levados à constante decisão sobre si mesmos, então se leva a cabo aquilo pode ser denominado pensamento histórico. O pensador histórico é tão essencialmente diverso do historiólogo quanto do filósofo. Ele é aquele que menos pode ser confundido com certos pseudoconstrutos, que se costuma chamar de “filosofia da história”. O pensador histórico tem o meio de sua meditação e apresentação a cada vez em um determinado âmbito de criação, de decisões, assim como ele tem o ápice e as precipitações no interior da história (quer se trate da poesia, quer se trate das artes plásticas, quer se trate da fundação de Estado ou da liderança). Na medida em que a era atual e a era futura se desdobram, apesar de o fazerem de uma maneira completamente diversa, como eras históricas – a era atual-moderna, na medida em que ela reprime historiologicamente a história, sem poder se desviar dela; a era futura, na medida em que ela precisa oscilar entre a simplicidade e a agudeza de um ser histórico –, elas apagam para si hoje, visto de fora, necessariamente os limites de configuração do historiólogo e do pensador da história; isso tanto mais, uma vez que a história, de maneira correspondente à cunhagem crescente de seu caráter marcado pela ciência da imprensa e com base em suas exposições conjuntas realizadas em conformidade com as reportagens, difunde a aparência fatídica de uma consideração supracientífica da história e, assim, confunde completamente a meditação histórica. Essa confusão, porém, é intensificada ainda uma vez por meio da apologética da história cristã que chegou ao poder e se exercitou na Civitas dei de Agostinho, a cujo serviço hoje mesmo todos os não cristãos já entraram, para os quais tudo depende de uma mera salvação do que se tinha até aqui, isto é, de que se impeçam decisões essenciais. O autêntico pensamento histórico, por isso, só pode se tornar cognoscível para poucos, e, a partir desses poucos, só os raros salvarão o saber histórico, atravessando a mistura geral de uma opinião historiológica em meio à prontidão para a decisão de uma geração futura. De modo ainda mais distante do que a história, é a natureza que está para aí voltada, e o interdito em relação a ela é tanto mais completo, uma vez que o conhecimento da natureza se desenvolve na direção da perspectiva “orgânica”, sem saber que o “organismo” não representa senão a consumação do “mecanismo”. Por isto, chega-se ao ponto no qual uma era do “tecnicismo” desenfreado pode encontrar ao mesmo tempo a sua autointerpretação em uma “visão de mundo orgânica”.