de Castro – Conceituação e Representação

Dentro desse enredo multifacetado da transformação metafórica, as novas formas de abordagem conceitual e de representação do ente, aportadas pelo engenho, merecem uma critica radical. Primeiro, porque descortinam uma perspectiva sui generis para a compreensão do engenho, e a partir do dar-se e propor-se da informática. Segundo, porque oferecem à reflexão uma série de problemas filosóficos, cognitivos e técnicos que se dissimulam, sob dar-se e propor-se.

Segundo Hubert Dreyfus (sem data) está em jogo o velho sonho cartesiano de que toda compreensão do ente consiste em formar e usar representações simbólicas, que se acreditava serem constituídas de descrições complexas construídas sobre ideias primitivas ou elementos. Kant adicionou a ideia importante de que conceitos implicavam em regras. Frege demonstrou que as regras poderiam ser formalizadas de modo a serem manipuladas sem intuição nem interpretação. A pesquisa em informática só fez estender e implementar a proposta, concebendo no caminho a possibilidade de que a razão e a memória humanas poderiam ser codificadas como algoritmos e dados simbólicos.

No caso da informática, a abordagem conceitual do ente se assenta sobre os princípios do cognitivismo e a representação do ente, enfim sobre a noção de modelo. A referência à matematização não concerne tanto o uso de métodos matemáticos, mas geralmente a construção de modelos aptos à explicar o ente em uma pluralidade de situações. Neste sentido, a representação informacional-comunicacional do ente visa aplicar uma espécie de filtro através de um modelo que “essencializa” o ente, possibilitando mimetizá-lo no que interessa manipulá-lo.

Isso por sua vez implica uma atitude do cognitivismo, de não querer responder questões concernentes ao “que” ou ao “porque” do conhecimento, sendo seu único interesse o “como”. Nas palavras de Kremer-Marietti (1994, pág. 8): “Quanto à filosofia cognitiva, que não concerne o ‘que’ do conhecimento, mas seu ‘como’, as questões ’como conhecemos?’, ‘como pensamos?’ visam tanto o estatuto dos dados sensíveis como aquele das palavras da linguagem ou dos signos em geral. Estas questões convêm tanto à sensibilidade quanto à inteligibilidade e à atividade” (apud, Lanciani, sem data).

Se o “como” se torna o único momento de conhecimento digno de atenção, parece decorrer que só há um interesse pela realização concreta deste “como”, que assim justificaria as conquistas teóricas do cognitivismo. Por conseguinte, o momento da “informática”, onde se criam e se implementam concretamente dis-positivos de representação, é a apoteose da técnica, na concretude dos princípios e modelos cognitivistas. Mais que isto, a informática é a expressão clara e contundente da essência da técnica moderna, a Ge-stell.

Mais ainda, e isso é uma das teses principais do cognitivismo, se torna suficientemente claro que o papel “performativo” das tecnologias da informação implica na construção de dis-positivos que são a manifestação concreta da compreensão que se pode, ou não, ter finalmente alcançado e representado de um ato ou fato humanos, ou de qualquer outro ente, dentro de um determinado domínio de estudo: compreender – na perspectiva cognitivista – equivale à reproduzir, à replicar, à mimetizar.

Tese de Doutorado em Filosofia (UFRJ, 2005)

DE CASTRO, M. C. O que é informática e sua essência. Pensando a “questão da informática” com M. Heidegger. UFRJ-IFCS, , 2005. Disponível em: <https://www.academia.edu/43690212/O_que_%C3%A9_inform%C3%A1tica_e_sua_ess%C3%AAncia_Pensando_a_quest%C3%A3o_da_inform%C3%A1tica_com_M_Heidegger>