de Castro – Memória

Ao longo desta investigação o termo memória foi usado inúmeras vezes. Para que seu sentido fique bem claro e se possa falar de uma “industrialização da memória” é necessário elaborar o termo e a noção.

Na tradição ocidental, o termo memória teve o privilégio de ser referência a um titã da mitologia grega, Mnemosine (Mnemosyne). Heidegger recupera seu sentido original ao se referir a um poema de Hölderlin, e articular este sentido ao pensar:

Mnemosine, a filha do Céu e da Terra, se torna, como esposa de Zeus, durante nove noites a Mãe das Musas. Jogo e Música, Dança e Poesia pertencem ao seio de Mnemosine, à Memória. É claro que este termo designa outra coisa que a única faculdade, determinável pela psicologia, de reter o passado na representação. Memória pensa naquilo que tem de ser pensado. Mas, sendo o nome da Mãe das Musas, “Memória” não significa um pensar qualquer de não importa que pensável. Memória é o recolhimento do pensar sobre aquilo que em tudo desejaria ser já guardado no pensar. Memória é o recolhimento do pensar fiel. Ela protege próximo a ela e ela guarda consigo aquilo que é necessário pensar de antemão de tudo aquilo que é e que se revela à nós como o ente, como sendo o recolhimento do ser (als Wesendes, Gewesendes). Memória, a Mãe das Musas! O pensar fiel àquilo que demanda ser pensado é no fundo de onde soa a poesia. A poesia são então as águas, que por vezes escoam às avessas em direção à fonte, em direção ao pensar como pensar fiel. Tanto quanto crermos poder alcançar da lógica um esclarecimento sobre isto que é a poesia, tanto quanto não poderemos nos por a pensar à maneira pela qual toda poesia repousa no pensar fiel. Tudo que encanta na poesia brota do “recolhimento junto a…” que é aquele do pensar fiel.

Ao longo do ensaio, “O que se chama pensar?”, Heidegger alerta para a perda deste sentido profundo da Memória, em sua articulação com o pensar. No exame da questão, a partir “daquilo que nos faz mais pensar em nosso tempo que nos faz pensar é que não pensamos ainda”, Heidegger acompanha a máxima de Nietzsche “O deserto cresce…” para concluir que “a desolação é, na cadência máxima, o banimento de Mnemosine” .

Por conseguinte, poderia ser que aquilo que faz mais pensar fosse alguma coisa do alto, talvez mesmo o mais alto que seja para o homem, se pelo menos o homem habite este ser que ele é enquanto pensa, quer dizer enquanto é requerido pelo pensado, pois, com efeito, sua essência repousa na Memória.

HEIDEGGER, M. Qu’appelle-t-on penser ? Tradução: Aloys Becker; Tradução: Gérard Granel. Paris: PUF, 1959.