J. Habermas, A técnica e a ciência como “ideologia
Marcuse pensa na alternativa de uma outra atitude diante da natureza, mas não é possível extrair daí a ciência de uma nova Técnica. Em vez de tratar a natureza como um objeto do qual é possível dispor tecnicamente, pode-se ir ao encontro dela como ao encontro de um parceiro numa interação possível. Pode-se buscar a natureza fraternal em vez da natureza explorada. No nível de uma intersubjetividade ainda incompleta, podemos emprestar aos animais e às plantas, até mesmo às pedras, uma certa subjetividade e comunicarmo-nos com a natureza em vez de apenas trabalhá-la sem a menor comunicação. E a ideia de que há na natureza uma subjetividade ainda cativa que não poderá ser libertada antes que a comunicação dos homens entre eles esteja livre de toda e qualquer dominação — esta ideia conservou tuna atração totalmente particular, para não dizer mais. Somente se os homens se comunicassem sem constrangimento e se cada um pudesse se reconhecer no outro é que a espécie humana talvez pudesse reconhecer na natureza um outro sujeito — e não, como queria o idealismo, reconhecer esta natureza como seu Outro, mas reconhecer-se a si mesma como o Outro deste sujeito.
Seja como for, uma Natureza que sai assim do seu sono não poderia substituir as realizações da técnica que são indispensáveis no seu gênero. A alternativa proposta à técnica existente, isto é, o projeto da natureza como parceira e não mais como objeto, remete à alternativa de uma outra estrutura de ação: remete à interação mediatizada por símbolos, por oposição à atividade racional em relação a um fim. Porém isto quer dizer que esses dois projetos são projeções do trabalho e da linguagem, dos projetos da espécie humana em sua totalidade e não de uma época particular, de uma classe determinada, de uma situação passível de ser superada. Não mais que a ideia de uma Nova Técnica, a de uma Nova Ciência não resiste a uma análise consequente, desde que se entenda aqui por ciência a ciência moderna, ligada à invenção de dispositivos que permitem certas manifestações técnicas; para esta função que é a sua/dela, como para o progresso científico e técnico em geral, também não há substituto que seja mais “humano”.