Roland Corbisier – Dedução e Indução

Excertos de Roland Corbisier, «ENCICLOPÉDIA FILOSÓFICA»

A dedução e a indução são geralmente considerados os métodos fundamentais da ciência. A dedução consiste em passar do geral para o particular ao passo que a indução em passar do particular para o geral. A dedução, cujo paradigma é o silogismo, composto de três juízos, ou proposições, maior, médio e menor, ou conclusão, — todo homem é mortal, Sócrates é homem, logo Sócrates é mortal —, foi sistematizado por Aristóteles, fundador da lógica formal, seu grande título de glória. Explicitando na conclusão o conteúdo das premissas, o silogismo, a rigor, nada descobre, pois se limita a afirmar em relação a determinado sujeito, a particularidade já implícita na universalidade. A mortalidade do homem Sócrates (particular) já está implicitamente afirmada na mortalidade do homem enquanto tal (universal).

O silogismo seria, assim, tautológico, ou seja, diria, na conclusão, a mesma coisa que já se acha dita nas premissas, não correspondendo, pois, a nenhum progresso do conhecimento. Essa é a razão pela qual o método dedutivo também é chamado analítico, pois analisa, separa ou divide o que está reunido ou unificado nas premissas. A dedução é o método típico das ciências matemáticas ou “eidéticas”, como diz Husserl, assim chamadas porque lidam não com objetos reais ou físicos, mas com objetos ideais, que têm essência mas não têm existência. Sem sair da esfera do pensamento, tapando os olhos e fechando os ouvidos, como diria Descartes, o geômetra, por exemplo, pode deduzir, da definição do triângulo, todas as suas propriedades, porque tais propriedades se acham implicitamente contidas na essência dessa figura geométrica.

Porque permanece na imanência do sujeito, a demonstração matemática, como diz Hegel, não pertence ao que o objeto é, sendo uma operação exterior à coisa.

A distinção feita por Leibniz entre verdades de razão e verdades de fato, a que corresponde a distinção estabelecida por Kant entre juízos analíticos e juízos sintéticos, traduz a dicotomia entre dedução e indução que, por sua vez, corresponde às duas formas fundamentais do conhecimento humano, o sensível e o intelectual. As verdades de razão, ou os juízos analíticos, universais e necessários mas, apriorísticos, isto é, anteriores à experiência e dela independentes, seriam tautológicos e não permitiriam avançar no conhecimento do real.

A indução, cujas regras foram formuladas por Bacon, no Novum Organon, parte do particular e do contingente para chegar ao universal e ao necessário, sendo o método próprio das ciências da natureza, por isso chamadas ciências de observação ou experimentais. Mas em que consiste, a rigor, a indução? O método dedutivo, cuja validade científica envolve numerosos problemas, compreende quatro momentos principais: a observação, a hipótese, a experiência e a indução propriamente dita, que consiste na generalização dos resultados da experiência. A observação é a contemplação do fenômeno tal como efetivamente ocorre, a maçã caindo da árvore, no exemplo famoso de Newton. Ao observar, o sujeito deve permitir que o objeto surja e se apresente diante dele tal como é, sem modificá-lo ou alterá-lo, caso em que não o conheceria em sua “objetividade”, mas modificado ou alterado pelo sujeito.

À observação do fenômeno segue-se a hipótese, que é uma construção do espírito, fruto da imaginação criadora. Consistindo em uma explicação provisória do fenômeno é, sem dúvida, provocada ou suscitada pela realidade, mas a transcende na medida em que inclui o que não é dado no próprio fenômeno, antecipando-se assim à experiência e a tornando possível. Exemplifiquemos com o fenômeno da dilatação dos corpos. O ponto de partida é a observação do fenômeno: o corpo A que apresentava o volume X passou a apresentar o volume X mais Y. Que ocorreu? Admitamos por hipótese, quer dizer, imaginemos que a dilatação do corpo tenha sido provocada pelo calor. A formulação da hipótese torna possível a realização da experiência que consistirá em submeter o corpo à ação do calor a fim de verificar se ocorre a dilatação.

Se o fenômeno se repetir, em sucessivas e diferentes observações, a hipótese estará confirmada, a experiência consistindo precisamente nessa confirmação. A experiência, todavia, não se pode realizar com todos, quer dizer, com a universalidade dos corpos. Por mais que se multiplique, estará sempre limitada a um número finito de corpos, isto é, ao particular. Há um momento, porém, em que a indução opera um salto qualitativo e passa do particular ao universal, do contingente ao necessário, do finito ao infinito, formulando a lei da dilatação dos corpos, válida para qualquer tempo e qualquer lugar. Nessa ruptura, ou nesse salto, encontra-se o problema do fundamento ou da legitimidade científica da indução, pois sabe-se, desde Sócrates, que só há ciência do universal e a indução pretende alcançar o universal multiplicando ou repetindo o particular. Fundadas na experiência, no particular e no contingente, as leis naturais seriam, assim, hipóteses ainda não desmentidas ou invalidadas pela experiência, o que permite falar na “contingência” das leis da natureza.

Os juízos indutivos são verdades de fato, como diria Leibniz, ou, na expressão, de Kant, juízos sintéticos porque acrescentam ao conceito, corpo, por exemplo, uma. propriedade que nele não se achava contida a priori, pois não é possível “deduzir” da noção de corpo, cuja essência, segundo Descartes, é a extensão, a propriedade de dilatar-se sob a ação do calor, sendo, aliás, perfeitamente possível conceber um corpo que jamais se submetesse à ação do calor e, portanto, jamais se dilatasse. Os juízos sintéticos, resultantes da indução, seriam, assim, ao contrário dos analíticos, fundados na experiência, ou na realidade, mas, em compensação, seriam particulares e contingentes, carecendo da universalidade e da necessidade que devem caracterizar o conhecimento científico.

O problema que se achava proposto no racionalismo cartesiano, da coincidência da res cogitans (pensamento) e da res extensa (realidade), foi perfeitamente definido por Kant. A ciência, quer dizer, o conhecimento científico da realidade não pode consistir nem nos juízos analíticos, necessários e universais, mas tautológicos, porque fundados apenas na razão, nem nos juízos sintéticos que, embora fundados na realidade, são, por isso mesmo, particulares e contingentes. A ciência só poderá constituir-se de juízos que sejam, ao mesmo tempo, a priori, fundados na razão, necessários e universais, e sintéticos, quer dizer, fundados na experiência. A possibilidade da ciência confunde-se, assim, com a possibilidade dos juízos sintéticos a priori.

A ciência moderna, e, de modo especial, a física matemática de Newton, representou, historicamente, a realização dessa possibilidade. As construções ou deduções matemáticas não eram apenas a priori, não limitavam sua validade e seu alcance à imanência do sujeito, porque encontravam correspondência na objetividade, ou na realidade. O livro da natureza, como diria Galileu, estava escrito em linguagem matemática. A racionalidade não era um atributo do sujeito somente, do pensamento, mas da realidade, da natureza também, que se revelava transparente ao cálculo matemático. À pura, mas estéril racionalidade da dedução que, permanecendo na abstração, jamais lograva alcançar o real, acrescentava-se a racionalidade do próprio real, que se revelava tão racional quanto a razão.

A racionalidade e a sistematicidade continuavam a ser as características fundamentais da ciência, embora se tornassem sujeitas à caução e ao controle da experiência. A eficácia e a fecundidade do método experimental não invalidavam o ideal da ciência, cujo paradigma continuava a ser a matemática, isto é, a possibilidade de dar expressão matemática às leis naturais. Leibniz, a quem se deve a invenção do cálculo infinitesimal, compreendeu claramente que a indução aspira a tornar-se dedução. Ao dizer que o calor dilata os corpos, o cientista se refere ao calor como a um universal, cuja essência conhecesse e da qual deduzisse a propriedade de dilatar os corpos. Na medida em que o real se revela matemático em sua estrutura, a indução tende a coincidir com a dedução, incluindo-se o particular no universal concreto. Porque, como dizia Hegel, o racional é real e o real é racional.