Corbisier (Enciclopédia) – Método e Objeto

Verifica-se, assim, que a elaboração do método não pode ser anterior ao descobrimento do objeto. Todavia, se é o método que permite conhecer o objeto, como pode depender, para ser elaborado, do prévio descobrimento do objeto que só por seu intermédio pode ser conhecido? A contradição desaparece ao observar-se que, na operação do conhecimento, jamais se parte da total ignorância do objeto, hipótese em que não se saberia nem mesmo em que direção orientar a procura. Na realidade, o ponto de partida é sempre algum conhecimento do objeto que se procura, por mais insuficiente e limitado que seja. Não sendo uma “coisa”, mas o processo por meio do qual o ser humano procura cientificar-se a respeito das coisas e de si mesmo, o conhecimento parte de meros pressupostos, ou suposições, em relação ao objeto, e procura, pela prática, ou pela experiência, verificar a validade desses pressupostos.

Sem confundir um instrumento, ou aparelho de investigação com o método, mas apenas para exemplificar, cabe observar que a fabricação do microscópio só é explicável a partir do pressuposto de que existem microorganismos cuja realidade não pode ser comprovada a olho nu. É a pré-ciência de que tais microorganismos existem que justifica a fabricação dos instrumentos que, aumentando a capacidade de visão, permitem examiná-los. No caso de tratar-se não de microorganismos mas, ao contrário, de entes macroscópicos, o aparelho a fabricar ou utilizar não será o microscópio mas o telescópio. É, portanto, a estrutura do objeto, ou da realidade, que determina a estrutura do método e não inversamente, como se poderia supor, a do método que determina a do objeto.

Se a elaboração do método fosse prévia a qualquer conhecimento do objeto, sua utilidade e eficácia em relação a esse conhecimento seria meramente fortuita ou casual, resultando de uma adequação inexplicável racionalmente. Todas as dificuldades das posições filosóficas e mesmo científicas que postulam a disjunção entre o pensamento e a realidade, entendidos como coisas separadas e independentes, decorrem dessa prévia desarticulação entre a realidade e o trabalho que sobre ela se exerce. Admitida a hipótese de que tanto o conhecimento do real quanto a atividade que o transforma não passam de formas ou modalidades de trabalho, a disjunção desaparece, restabelecendo-se a unidade da razão humana, que é sempre razão, quer seja pura, prática, ou “poiética”, produtiva.