Dicionário de Comunicação, entrada redigida por Francisco Dória
Martin Heidegger nasceu em 1889 em Messkirch, na Floresta Negra, na Alemanha, filho de um toneleiro e sacristão, de família há muito residente na região. No Ginásio de Freiburg, em 1907, lê a tese de Franz Brentano, Sobre as múltiplas significações do Ente em Aristóteles, onde vai pela primeira vez encontrar uma referência ao problema que tanto discutirá depois — a questão do Sentido do Ser. Através de Brentano chega a Husserl e à fenomenologia. Suas investigações começam em 1914 com a dissertação A Doutrina do Julgamento no Psicologismo, e prosseguem em 1916 com A Doutrina das Categorias e da Significação em Duns-Scotus. Nos dez anos que se seguem, possivelmente guiado por estudos de teologia (a respeito de que dará cursos, como o Introdução à Fenomenologia da Religião, de 1921 em Friburgo), tenta fundar a questão do Ser numa analítica existencial (isto é, numa descrição rigorosa e elucidadora) da facticidade e da finitude humanas. O resultado desta interrogação será a publicação, em 1927, de Sein und Zeit (Ser e Tempo), primeira parte de um tratado que deveria discutir a questão do Ser na Filosofia ocidental a partir da analítica da existência humana. Em 1933 adere ao partido nazista, pouco depois de ser eleito reitor da Universidade de Friburgo mas em 1934 se desilude com Hitler, abandonando a reitoria e o nazismo, e sendo pouco a pouco marginalizado pelos órgãos oficiais de educação da Alemanha. Por está época muda o método de ataque à questão do Ser, tentando aprofundá-la agora através de uma consideração a respeito do desenvolver-se do pensamento ocidental, desde os primeiros pré-socráticos até Nietzsche, em quem vê o último pensador da metafísica ocidental. Publica, então, trabalhos como Sobre a Essência da Verdade (1943), A Doutrina de Platão sobre a Verdade — Com uma Carta sobre o Humanismo (1947), Caminhos no Bosque (1950), Introdução à Metafísica (1953), Que significa Pensar? (1954), O Princípio da Razão- (1957), No Caminho da Linguagem (1959), Nietzsche (1961), A Técnica e o Retorno (1962), Marcos no Caminho (1967), Sobre a Questão do Pensamento (1969), Heráclito (com Eugen Fink, 1970). O pensamento de Heidegger nos oferece duas grandes linhas originais. A primeira linha, cuja maior expressão está em Ser e Tempo, tenta encontrar a questão do Ser (e sua importância para o pensamento ocidental, na metafísica e na lógica) a partir de uma analítica do Dasein. Uma analítica pretende mostrar, fazer aparecer, os constituintes originários de nossa experiência. O nome Dasein resume a natureza destes constituintes: o Dasein somos nós, somos o Ser (Sein) que existe sempre centrado num Aí (Da) perfeitamente determinado, e cuja finitude surgirá deste posicionamento originário. Ser e Tempo teve grande influência (mas que Heidegger considerou como sendo “um mal-entendido”) nos existencialismos sartreanos, na teologia de Bultmann e na psicanálise existencial de Binswanger.
A segunda linha do pensamento de Heidegger volta-se para a história da metafísica ocidental, vista como um fenômeno único dentro da história mundial. Esta metafísica começou com os pré-socráticos, sete séculos antes de Cristo, desenvolveu-se pela Idade Média e se extinguiu em Nietzsche, não sem antes ter gerado a técnica e a ciência contemporâneas. O que marca a afirmação da metafísica (e o esquecimento da questão do Ser, em cuja formulação, há três mil anos, Heidegger vê a origem do Ocidente como movimento cultural) é transformação da “verdade” dos pré-socráticos, a aletheia na veritas. A aletheia significa o não-ocultamento e o não-esquecimento (Léthe era o rio de cujas águas quem bebia perdia a memória); indica também a possibilidade de um destino, de uma passagem do escuro, do oculto, ao claro, ao desvelado. A veritas, ao contrário, é um mero ajuste entre dois entes, a concordância entre a palavra e certo estado de coisas. Na veritas perdeu-se a destinação, o sentido em movimento que havia na aletheia.
Heidegger tenta nos oferecer uma visão una da história do ocidente, e sobretudo procura enquadrar, nesta visão, a tecnologia e a ciência contemporâneas, oferecendo-lhes, como perspectiva, todo o fundo da cultura ocidental, e desmistificando-lhes o “fantástico” e o “assombroso”. Por tornar assim finito o problema da tecnologia contemporânea, a visão de Heidegger é bem mais potente que as outras críticas da modernidade feitas por Theodor W. Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse, Georg Lukács (no seu livro História e Consciência de Classe), e como que ilumina muitas das imprecisões e dos exageros de Oswald Spengler em sua obra A Decadência do Ocidente. (FAD).