22) Caso se chegue, como se precisa chegar, ao reconhecimento da essência predeterminada da ciência moderna, ao reconhecimento de seu caráter de funcionamento puro e necessariamente passível de ser colocado a nosso serviço e das instituições necessárias para isso, então no campo de visão desse reconhecimento é preciso esperar por um progresso gigantesco das ciências, sim, é preciso até mesmo contar com ele. Esses progressos trarão consigo a espoliação e a utilização da terra, a criação e o adestramento do homem para o interior de estados ainda hoje irrepresentáveis, cuja entrada em cena não pode ser impedida ou mesmo apenas retida por meio de nenhuma lembrança romântica de algo anterior e diverso. Esses progressos, porém, também serão cada vez mais raramente assinalados como algo espantoso e que nos chama a atenção, por exemplo, como realizações culturais, mas acontecem e são consumidos em série e, por assim dizer, como mistérios dos negócios, sendo imediatamente divulgados em seus resultados. É somente quando a ciência tiver alcançado essa discrição consonante com o funcionamento que lhe é característico em seu desdobramento, que ela se mostrará lá onde ela mesma se torna impulsionadora: ela se dissolve, então, concomitantemente em meio à dissolução de todo ente mesmo. Com vistas a esse fim, que será um estado final muito duradouro e que se assemelha sempre com um início, a ciência se encontra hoje no seu melhor começo. Só cegos e loucos falarão hoje do “fim” da ciência.

23) A “ciência” empreende, assim, o asseguramento do estado de uma completa ausência de necessidade no saber e permanece, por isso, na era da completa ausência de questões, constantemente “o que há de mais moderno”. Todas as finalidades e utilidades se encontram fixadas, todos os meios estão à mão, todos os benefícios são realizáveis: só falta ainda superar diferenças de grau de refinamento e criar para os resultados a maior amplitude possível da mais simples utilização. A meta velada, à qual cabe tudo isso e todo o resto, sem pressentir e poder pressentir minimamente isso, é o estado do tédio completo na esfera das conquistas mais próprias, que um dia não poderão mais esconder o caráter do tédio, caso tenha permanecido, então, ainda um resto de força de saber, a fim de se espantar ao menos nesse estado e de desentranhar esse estado mesmo e o abandono do ser do ente que boceja aí.

24) A questão é que o grande deslocamento abismado só surge do saber essencial, que se encontra no outro início, nunca a partir da impotência e da mera perplexidade. O saber, porém, é a insistência na questionabilidade do seer, que guarda, assim, a sua dignidade única no fato de que ele só se doa de maneira bastante rara na recusa como o acontecimento apropriador velado do passar ao largo da decisão sobre a chegada e a fuga dos deuses no ente. Que homem por vir funda esse instante do passar ao largo para o início de uma outra “era”, quer dizer: uma outra história do seer? A dissolução e a junção das faculdades científicas de sustentação. As ciências dos espírito historiológicas transformam-se em ciências da imprensa. As ciências naturais transformam-se em ciência de máquinas. “Jornal” e “máquina” são visados no sentido essencial como modos em constante avanço da objetivação definitiva (que impele, no que concerne aos tempos modernos, para a consumação), que suga para si toda a materialidade do ente, só deixando esse ente mesmo se mostrar como o que dá ensejo à vivência. Por meio desse primado do procedimento na instituição e na preparação, os dois grupos de ciência se encontram em acordo com vistas ao essencial, isto é, o seu caráter de funcionamento. Esse “desenvolvimento” da ciência moderna em sua essência só é visível hoje para poucos e será recusado pela maioria como não estando presente. Ele também não se deixa comprovar por fatos, mas só tem como ser concebido a partir de um saber sobre a história do ser. Muitos “pesquisadores” ainda imaginarão a si mesmos como pertencendo às tradições comprovadas do século 19. Um número igualmente grande de outros pesquisadores, em ligação com seus objetos, ainda encontrarão novos enriquecimentos e novas satisfações em termos de conteúdos e talvez os façam valer ainda em termos doutrinários, mas tudo isso não demonstra nada contra o primado, no qual a instituição conjunta chamada “ciência” está inserida de maneira irrevogável. A ciência não apenas jamais terá condições de se libertar daí, mas ela nunca irá querer antes de tudo também a libertação, e, quanto mais ela progride, menos pode querer. Antes de tudo, porém, esse primado também não é, por exemplo, um fenômeno da universidade atual alemã, mas ele diz respeito a tudo aquilo que, em um lugar e em um momento quaisquer, futuramente, irá querer ainda ter concomitantemente voz. Se formas de instituição até aqui e anteriores ainda se mantiverem aí por um longo tempo, então elas ainda se tornarão algum dia apenas de maneira mais decidida aquilo que ocorreu por detrás de sua proteção aparente.

Martin Heidegger