Heidegger (GA89:44-47) – princípios (archai) e causas (aitia) aristotélicas

[HEIDEGGER, Martin. Seminários de Zollikon: protocolos, diálogos, cartas. Tr. Gabriella Arnhold, Maria de Fátima de Almeida Prado. São Paulo: Escuta, 2017, p. 44-47]

Empreendemos hoje mais uma tentativa de chegar a uma diferenciação entre ser e ente, com base naquilo que se chama natureza. Distinguiremos causalidade de motivação. Encontra-se aí um fenômeno do fundamento, do fundamentar. Entretanto, fundamentação não é igual a causalidade ou motivação. O que é causalidade? Como ela é entendida nas ciências naturais? Tomemos um exemplo: “quando o sol brilha, a pedra esquenta”. Isso é fundamentado numa [45] observação, um fato, é verificado diretamente por uma percepção dos sentidos. Trata-se de uma sequência. – Mas se dissermos: “Porque o sol brilha,…” então se trata de uma proposição empírica. “Sempre que o sol brilha…” indica apenas uma sequência temporal. – Mas o “porquê” não significa apenas um após o outro, mas uma condição, um após o outro necessário! Isso é causalidade, como é corrente nas ciências naturais. Ela domina o pensar moderno desde Newton e Galilei. Depois Kant empreendeu a crítica da razão pura. Em Aristóteles encontra-se uma causa efficiens que produz um efeito. Mas seria isso o mesmo que o conceito moderno? O um após o outro necessário leva à interpretação de um “efeito determinado por uma causa”. Kant diz cuidadosamente. “Tudo o que acontece pressupõe algo a que segue [worauf] de acordo com uma regra”. (Kant, Crítica da Razão Pura, A 189). (Atualmente dir-se-ia: a partir [woraus] do qual segue!). O “a que” significa: temporalmente, mas é necessário, de acordo com uma regra. Não se pode saber o “a partir de que”, como isso se desenvolve a partir de um outro!

P: As novas formulações científicas também são mais cuidadosas. Elas dizem: até agora sempre assim; supondo que, se nada mudar, também no futuro tudo se passará assim.

H: Mas isso significa: sob a condição de que não se acrescentem outros acontecimentos. Se aparecerem novos fatores a lei precisa ser reformulada baseada em novas observações, sob novas condições. Causa efficiens de Aristóteles ainda faz parte da visão de mundo natural, pré-científica. É uma αιτια [aitia]. Uma causa é um conceito jurídico, uma coisa, aquilo de que se está tratando. Causa é a primeira coisa de onde algo vem, que deve ser tratado em primeiro lugar; “causa” tem o mesmo sentido. Os gregos diferenciavam quatro causas: material, formal, final, efficiens. Tomemos o exemplo de um artesão que tenha de dar forma a uma taça de prata. Na fabricação há quatro causas a diferenciar: o determinante, o “devido” é a encomenda, isto é, algo final, o “por causa de”, οὗ ενεχα [oû henecha] (Por causa de, a fim de que, consequência em si). Em segundo lugar vem a forma da taça, que ele tem de visualizar enquanto forma: isto é ειδος [eidos], Modelo já é uma modificação da interpretação de ειδος, que significa forma [Gestalt]. As causas final e formal estão ligadas. As duas juntas determinam em terceiro lugar o material, εξ οὗ [ek oû], aqui a prata. Em quarto lugar: causa efficiens, a fabricação, ποιησις [poiesis] ou ἀρχή τῆς χινήσεως [arche tes kinseos], isto é, o artesão. A causa efficiens moderna não é mais a mesma coisa! ποιησις [Criação] e πραξις [Praxis] não são iguais: fabricar e agir. πραξις [Praxis] tem uma motivação!

A causalidade moderna pressupõe um processo natural não uma ποιησις [Poiesis]. Os gregos viram e interpretaram χινησις [kinesis] da natureza [46] compreendida por eles a partir de ποιησις [Poiesis]. Galilei confrontou-se com isso. Na ciência contemporânea encontramos o querer dispor da natureza, o tornar útil, o poder calcular antecipadamente, o predeterminar como o processo da natureza deve se desenrolar para que eu possa agir com segurança perante ele. A segurança e a certeza são importantes. Exige-se uma certeza no querer controlar. O que se pode calcular de antemão, antecipadamente, o que pode ser medido é real e apenas isso. Até onde isso nos leva perante uma pessoa doente? Fracassamos! – O princípio da causalidade tem efetividade para a física, e ainda assim só limitadamente. O que diz Aristóteles é verdade com base na visão de mundo do seu tempo, por exemplo, o conceito aristotélico de movimento. O que é movimento?