Capítulo 1 Pensamento, palavra e realidade

Os antigos gregos foram os primeiros a ensinar uma geometria e uma matemática e uma filosofia projetada para descrever os aspectos de tudo e todos os lugares. Descrevendo assim o espaço, a quantidade como tal, realidade como tal, a mente humana poderia se esforçar por um não lugar assim como por um não tempo – ou pelo menos a mente poderia modelar a si mesma em uma visão na qual tempo e lugar fossem irrelevantes. Este estado de mente os antigos filósofos gregos atribuíam aos imortais, divinos cuja felicidade era designada pelo termo “makarios”, “desapegado cheio de graça”. Conhecer era assim transcender os confins de lugares particulares e restrições de tempo e pessoas. Pensar era um “deslocamento” alcançado através da perseguição de uma teoria pura. A vida contemporânea, aplicando uma combinação de teoria lógica com engenharia eletrônica, conseguiu fazer do deslocamento uma realização prática. Estas palavras lidas nesta tela, mesmo enquanto símbolos visuais, são impulsos elétricos.

O pensar humano era antes suportado por livros copiados a mão. O aprendizado procedia primordialmente por memorização e através de argumentos baseados em tópicos fixados e socialmente estáveis; “topos” era o termo grego para “lugar”. Desestabilizando estes lugares fixados para o discurso, a cultura moderna removeu a passada lenta e intensiva em memória do aprendizado, pela superação, através do impresso, dos discursos textuais limitados ao lugar e de natureza restritiva pela escrita e ornamentação. Com as mudanças mais recentes, o sentido de lugar está ainda mais atenuado pela transmissão virtualmente instantânea e pela alteração da escrita digital: palavras entram em computadores e se tornam dados eletrônicos.

Para a escrita eletrônica, o lugar é ainda menos relevante do que o livro impresso baseado em material leve e transportável. Mais do que o livro, a escrita digital oferece aos símbolos escritos o compartilhamento em um “todo e nenhum lugar” que desde há muito era a prerrogativa de sons e imagens acessíveis eletronicamente. No entanto é fixidez e a estabilidade do símbolo escrito que agora se desestabiliza e se “eletrifica”.

Palavras escritas, como símbolos dentro de uma cultura, existem sob condições variadas e em diferentes elementos. Os símbolos carregam significado sob condições concretas. A significação dos símbolos, seu sentido em diferentes contextos culturais, é afetado pelas condições concretas nas quais eles aparecem; onde aparecer deve ser entendido como: símbolos têm sua existência real em seu aparecimento e em serem reconhecidos por alguém. E isto quer dizer que condições concretas são intrínsecas ao aparecimento de símbolos verbais. O sentido dos símbolos é afetado pelo horizonte de significação no qual ele aparecem. Este horizonte, ou conjunto de condições, constitui o que Heim denomina o “elemento de escrita”, que mais tarde distingue do “meio” do símbolo escrito.

Assim como é verdade que antigos sinais mudam com o tempo, como tudo muda, Haeim afirma que sob um diferente conjunto de condições, por exemplo, no elemento da codificação eletrônica, a significação das palavras escritas é afetada. O discursado se dá em diferentes condições da palavra escrita e impressa, em um novo elemento. Ou seja, não que o meio seja a mensagem, como propõe McLuhan, mas que a linguagem pode ser tomada por um conjunto de mensagens e há condições elementares que situam os símbolos culturais.

A capacidade de ler e escrever serve não apenas como uma habilidade funcional ou como um critério para um certo estágio de comportamento operacional; é também um modelo para certas atitudes psíquicas, para certas disposições da mente. Devido a suas conexões com as habilidades mentais, esta capacidade, tem significado a habilidade do indivíduo acender a certas circunstâncias e entrar um mundo compartilhado de inteligibilidade; Mundo este que descobre uma realidade superior que envolve e domina o sentido comum e a apreensão que temos das coisas que lidamos intuitivamente. Esta capacidade de ler e escrever, veio a significar uma compreensão superior da realidade.

Um filosofia do processamento de texto moderno deve principiar por reconhecer a conexão que fazemos ente habilidade humana com símbolos e a realidade que aspiramos ou admiramos. À mente capacidade de ler e escrever, atribuímos um patamar superior, uma apreensão mais informada da realidade, um maior contato com o mundo como um todo. A compreensão oriunda desta capacidade serve como um modelo para a compreensão em geral, para um apreensão da realidade como tal.

Mas todos os símbolos não são arbitrários ou estipulados? Ou são os símbolos meramente um parte do equipamento do pensar ao invés de pertencer a essência do pensar? Não é a linguagem natural ela mesma um instrumento da mente ao invés de um componente essencial do pensar? Como pode a tecnologia de processamento de texto afetar o pensar posto que o pensar desde o processamento de texto lida apenas com símbolos de pensar e não com a substância do pensar ela mesma? Se a linguagem nada mais é que uma condição do pensar – talvez uma condição necessária – qualquer instrumento que possamos usar para manipulação de símbolos pareceriam longe de afetar o que quer que pensemos. O pensar ele mesmo muda se a mente trabalha com símbolos sob diferentes condições, usando diferentes sinais? E se antigos sinais mudam, isto tem algo a ver com as mudanças que fazemos em nossa manipulação dos sinais e nas habilidades que desenvolvemos na manipulação sinais?

Michael Heim