É fácil caracterizar a transformação do manejo e uso “práticos”, guiados pela circunvisão, em pesquisa “teórica”, considerando que: a pura visualização dos entes aparece na medida em que a ocupação se abstém de todo manejo. O decisivo para o “aparecimento” do comportamento teórico residiria, portanto, no desaparecimento da práxis. É justamente quando se toma a ocupação “prática” como o modo primário e predominante de ser da presença [Dasein] que a “teoria” deve sua possibilidade ontológica à falta da práxis, ou seja, a uma privação. Todavia, a suspensão de um manejo específico no modo de lidar da ocupação não faz da circunvisão orientadora um simples resto. A ocupação é que se desloca para a mera circunvisão de si mesma. Com isso, ainda não se atinge, em absoluto, a atitude “teórica” da ciência. Ao contrário, demorando-se na suspensão do manejo, a ocupação pode assumir o caráter de uma circunvisão ainda mais aguçada, no sentido de “testar”, examinar o que foi alcançado ou de supervisionar o “funcionamento” que justamente agora “está parado”. Abster-se do uso instrumental significa tão pouco “teoria” que, na “observação” demorada, a circunvisão permanece inteiramente atada ao instrumento ocupado e à mão. O lidar “prático” possui seus modos próprios de demorar-se. E assim como a prática tem sua visão específica (“teoria”), também a pesquisa teórica não se dá sem a sua própria práxis. A leitura dos números e medidas, que resultam de um experimento, frequentemente necessita de uma construção “técnica” complexa que ordena a experiência. A observação no microscópio depende da produção de “preparados”. A escavação arqueológica, que precede à interpretação do “achado”, exige as mais intensas manipulações. E mesmo a elaboração mais “abstrata” de problemas e a fixação do que foi obtido manipulam instrumentos de escrever, por exemplo. Por mais “desinteressantes” e “evidentes” que possam ser estes aspectos inerentes à pesquisa científica, do ponto de vista ontológico, eles não são, de forma alguma, indiferentes. A referência explícita a que a atitude científica, enquanto modo de ser-no-mundo, não é apenas uma “atividade puramente espiritual” pode ser considerada prolixa e supérflua. Se, nessa trivialidade, ao menos ficasse claro que não é nada fácil perceber onde se situa, propriamente, a fronteira ontológica entre a atitude “teórica” e a “não teórica”!

Martin Heidegger