Deleuze & Guattari (Anti-Édipo) – Um drama específico do cientista

E diremos o mesmo em relação à ciência: os fluxos descodificados de conhecimento estão primeiramente ligados em axiomáticas propriamente científicas, mas estas exprimem uma hesitação bipolar. Um dos polos é a grande axiomática social que retém da ciência o que deve ser retido em função das necessidades do mercado e das zonas de inovação técnica, o grande conjunto social que faz dos subconjuntos científicos outras tantas aplicações que lhe são próprias e que lhe correspondem; em suma, é o conjunto dos procedimentos que não se contentam em trazer os cientistas de volta à “razão”, mas previne todo desvio de sua parte, impõe-lhes objetivos, e faz da ciência e dos cientistas uma instância perfeitamente sujeitada à formação de soberania (por exemplo, a maneira como o indeterminismo foi tolerado até certo ponto, depois ordenado a reconciliar-se com o determinismo). Mas o outro polo é o polo esquizoide, na vizinhança do qual os fluxos de conhecimento esquizofrenizam, e fogem não só através da axiomática social, mas passam através das suas próprias axiomáticas, engendrando signos cada vez mais desterritorializados, figuras-esquizas que já não são figurativas nem estruturadas, e que reproduzem ou produzem um jogo de fenômenos sem objetivo nem fim: a ciência como experimentação, no sentido definido anteriormente. Neste domínio, como em outros, não haverá um conflito [446] propriamente libidinal entre um elemento paranoico-edipianizante da ciência e um elemento esquizorrevolucionário? Precisamente o conflito que leva Lacan a dizer que existe um drama específico do cientista (“J. R. Mayer, Cantor, não farei aqui uma lista desses dramas que por vezes vão até à loucura…, e que, neste caso, não se poderia incluir no Édipo, a não ser para pô-lo em causa”: pois, com efeito, Édipo não intervém aqui como figura familiar nem sequer como estrutura mental, mas sob as espécies de uma axiomática como fator edipianizante, de que resulta um Édipo especificamente científico). E, ao canto de Lautréamont, que se eleva em torno do polo paranoico-edipiano-narcísico, Ó matemáticas severas […] Aritmética! álgebra! geometria! trindade grandiosa! triângulo luminoso!, um outro canto se opõe: ó matemáticas esquizofrênicas, incontroláveis e loucas máquinas desejantes!…