Derrida (Besta) – Fabuloso

No interior de um discurso clássico de seminário, ou seja, de um discurso teórico, filosófico, constativo, de um discurso de saber, e mesmo de uma reflexão filosófica política, portanto, uma das questões poderia ser anunciada assim: o que aconteceria se, por exemplo, o discurso político, e mesmo a ação política que se integra a ele e que é dele indissociável fossem constituídos, e mesmo instituídos pelo fabuloso, por esse tipo de simulacro narrativo, pela convenção de um como se histórico qualquer, por essa modalidade fictícia de “contar histórias” que se chama de fabulosa ou de fabulário, o que supõe dar a saber lá onde não se sabe, que afeta ou anuncia de maneira fraudulenta o “fazer saber” e que administra, na mesma obra ou na entrada de um relato qualquer, uma lição de moral, uma moralidade? Hipótese segundo a qual a lógica e a retórica políticas, e mesmo a lógica e a retórica dos políticos, seriam sempre, de um ponto a outro, a colocação em obra de uma fábula, uma estratégia para dar sentido e crédito a uma fábula, a uma afabulação — portanto, a uma história indissociável de uma moralidade, colocando em cena os viventes, animais ou humanos, uma história por assim dizer instrutiva, informativa, pedagógica, edificante, uma história fictícia, montada, artificial, e mesmo inventada em todas as suas partes, mas destinada a ser ensinada, a ser aprendida, a fazer saber, a fazer parte de um saber, a levar ao conhecimento.

As dimensões fabulosas dessa lógica e dessa teoria políticas não seriam limitadas às operações discursivas, às palavras verbais, como se diz, aos ditos e escritos dos políticos que decidem, dos chefes de Estado, dos soberanos e dos grandes desse mundo, dos cidadãos e das mídias; dito de outro modo, essas afabulações não se limitariam aos ditos, aos escritos, mesmo às imagens de tudo o que concerne à política sobre a praça pública. A dimensão fabulosa determinaria também, para além dos ditos, dos escritos e das imagens, as ações políticas, as operações militares, o barulho das armas, o estrondo das explosões e das matanças, as ações que levam civis e militares à morte, os atos ditos de guerra ou de terrorismo, de guerra civil ou internacional, de guerra de partinsans etc., com ou sem condenação à morte segundo a lei.

O fabuloso da fábula não diz respeito apenas à sua natureza linguística, ao fato de que a fábula é constituída por palavras. O fabuloso engaja também o ato, o gesto, a ação, não menos do que a operação que consiste em produzir um relato, em organizar, dispor o discurso de modo a contar, a colocar em cena os viventes, a tornar crível a interpretação de um relato, a “fazer saber”, a fazer o saber, a fazer performativamente, a operar o saber (um pouco como Agostinho falava de fazer a verdade, veritatem faciare). E, portanto, o desenvolvimento fabuloso da informação, das tele–tecnologias de informação e das mídias hoje em dia talvez não faça outra coisa senão estender o império da fábula. O que acontece nos grandes e nos pequenos canais de televisão há muito tempo, mas em particular em tempos ditos de guerra, por exemplo, há alguns meses, atesta esse devir-fabuloso do discurso e da ação política, dita militar ou civil, dita guerreira ou terrorista. Certa efetividade, certa eficácia, compreendida aí a irreversível atualidade da morte, não estão excluídas dessa afabulação. Os mortos e os sofrimentos, que não se encontram em ligação com a fábula, são, no entanto, transportados, inscritos na divisão afabuladora.