Francis Bacon – A ciência do homem

De dignitate et augmentis scientiarum, lib. IV, cap. I

A ciência do homem tem duas partes, pois o considera ou isolado ou congregado e em sociedade. A uma, chamo filosofia da humanidade; a outra, filosofia civil. A filosofia da humanidade compõe-se de partes semelhantes àquelas de que se compõe o homem; isto é, de conhecimentos referentes ao corpo e de conhecimentos que se referem à alma. Mas antes de prosseguir as divisões particulares, constituamos uma ciência geral referente à natureza e ao estado do homem; um tema que certamente merece tornar-se independente e formar uma ciência por si mesmo. Compõe-se das coisas que são comuns, tanto ao corpo como à alma; e pode-se dividir em duas partes, uma referente à natureza indivisa do homem, e outra ao vínculo e conexão entre a alma e o corpo; à primeira chamarei doutrina da pessoa humana; à segunda, doutrina da aliança. (…)

A doutrina da pessoa humana considera dois temas principais: as misérias do gênero humano e as prerrogativas ou excelências do mesmo. A respeito das misérias humanas, muitos lamentaram elegante e profusamente, tanto em escritos filosóficos como teológicos, e é um gênero ao mesmo tempo grato e saudável. Mas aquele outro tema das prerrogativas do homem, parece-me merecer um lugar entre os desiderato. (…) Porém, para não insistir demasiado sobre este ponto, o que pretendo dizer é suficientemente claro: a saber, que se reúnam em um volume os milagres da natureza humana e suas potências e virtudes mais altas, da alma e do corpo, o que serviria de registro dos triunfos do homem. (…)

Quanto à doutrina da aliança ou vínculo comum entre a alma e o corpo, divide-se em duas partes. Pois como em todas as alianças e amizades há inteligência mútua e serviços mútuos, a descrição desta aliança da alma e do corpo compõe-se igualmente de duas partes, a saber, como estas duas coisas (isto é, a alma e o corpo) se descobrem reciprocamente, e como atuam um sobre outro: por conhecimento ou indicação e por impressão. (…) Entre as doutrinas referentes à aliança ou às concordâncias entre a alma e o corpo, nenhuma é mais necessária que a investigação das sedes e domicílios próprios que as diferentes faculdades da alma ocupam no corpo e seus órgãos.

MARIÁS, J. O Tema do Homem. Rio de Janeiro: Duas Cidades, 1975.