Henri Bergson, L’Évolution Créatrice, pp. 191-193.
O instinto1 é simpatia. Se esta simpatia pudesse alargar o seu objeto e também refletir sobre si mesma, dar-nos-ia a chave das operações vitais — do mesmo modo que a inteligência, desenvolvida e reeducada, nos introduz na matéria. Porque, não é de mais repeti-lo, a inteligência e o instinto estão orientados em dois sentidos opostos: aquela para a matéria inerte, este para a vida. A inteligência, por meio da ciência, que é obra sua, desvendar-nos-á cada vez mais completamente o segredo das operações físicas; da vida apenas nos dá, e não pretende aliás dar-nos outra coisa, uma tradução em termos de inércia. Gira em derredor, obtendo de fora o maior número de visões do objeto que chama até si, em vez de entrar nele. Mas é ao interior mesmo da vida que nos conduzirá a intuição, quero dizer o instinto tornado desinteressado, consciente de si mesmo, capaz de refletir sobre o seu objeto e de o alargar indefinidamente.
Que um esforço deste gênero não é impossível, é o que demonstra já a existência no homem de uma faculdade estética ao lado da percepção normal. O nosso olhar apercebe os traços do ser vivo, mas justapostos uns aos outros, e não organizados entre si. Escapa-lhe a intenção da vida, o movimento simples que corre através das linhas, que as liga umas às outras e lhes dá uma significação. Ê dessa intenção que o artista pretende apossar-se, situando-se no interior do objeto por uma espécie de simpatia, baixando, por um esforço de intuição, a barreira que o espaço interpõe entre ele e o modelo. É verdade que esta situação estética, como, de resto, a percepção exterior, alcança apenas o individual. Mas é possível conceber uma pesquisa orientada no mesmo sentido da arte e que tivesse por objeto a vida em geral, do mesmo modo que a ciência física, seguindo até ao fim o rumo assinalado pela percepção exterior, prolonga em leis gerais os fatos individuais. Decerto esta filosofia jamais alcançará do seu objeto um conhecimento comparável ao que a ciência tem do seu. A inteligência continua a ser o núcleo luminoso em torno do qual o instinto, mesmo alargado e depurado em intuição, é apenas uma vaga nebulosidade. Mas, em vez do conhecimento propriamente dito, reservado à pura inteligência, a intuição poderá fazer-nos apreender o que os dados da inteligência têm aqui de insuficiente e deixar-nos entrever o meio de os completar. […] Pela comunicação simpática que estabelecerá entre nós e o resto dos vivos, pela dilatação que obtiver da nossa consciência, introduzir-nos-á no domínio próprio da vida, que é compenetração recíproca, criação indefinidamente continuada.
Para Bergson o instinto e a inteligência não diferem em grau, mas pela sua natureza: «O instinto acabado é uma faculdade de utilizar e mesmo construir instrumentos orgânicos; a inteligência acabada é a faculdade de fabricar e de empregar instrumentos inorgânicos.» ↩