Bergson – A verdade científica é pragmática e operatória

H. Bergson, Obras Sobre o pragmatismo de William James1

Que é um juízo verdadeiro? Chamamos de verdadeira a afirmação que concorda com a realidade. Mas no que pode consistir esta concordância? Gostamos de ver aí algo como a semelhança do retrato com o modelo e a afirmação verdadeira seria aquela que copiaria a realidade. Entretanto, reflitamos um pouco sobre isso: veremos que somente em casos raros, excepcionais, esta definição de verdadeiro acha aplicação. […]

Tomemos uma verdade tão vizinha quanto possível da experiência, esta, por exemplo: “o calor dilata os corpos”. Do que ela poderia ser cópia? É possível, num certo sentido, copiar a dilatação de um corpo determinado em momentos determinados, fotografando-a em suas diversas fases. Mesmo, por metáfora, posso ainda dizer que a afirmação “esta barra de ferro dilata-se” é a cópia do que se passa quando assisto à dilatação da barra de ferro. Mas uma verdade que se aplica a todos os corpos, sem dizer respeito especialmente a nenhum daqueles que vi, não copia nada, não reproduz nada. […]

Uma frase como “o calor dilata os corpos”, seguida da visão da dilatação de um certo corpo, faz com que prevejamos como outros corpos se comportarão em presença do calor; ela nos ajuda a passar de uma experiência antiga a novas experiências; é um fio condutor, nada mais. A realidade passa; nós passamos com ela; e chamamos de verdadeira toda afirmação que, dirigindo-nos através da realidade móvel, coloca-nos em melhores condições e dá-nos os meios para agir sobre ela vê-se a diferença entre esta concepção de verdade e a concepção tradicional. Geralmente definimos o verdadeiro por sua conformidade ao que já existe; James define-o por sua relação com o que ainda não existe. O verdadeiro, segundo William James, não copia algo que foi ou é: ele anuncia o que será, ou melhor, prepara nossa ação sobre o que vai ser. A filosofia tem uma tendência natural a querer que a verdade olhe para trás: para James, ela olha para a frente.


  1. Ed. du Cantenaire, pp. 1444 a 1446.