Durkheim – A ciência é obra social?

É. Durkheim, Ano sociológico1

Segundo M. Jerusalem2, a sociedade é que consolidaria as imaginações mitológicas em dogmas obrigatórios, em verdades incontestes. Ela é que construiria a representação vulgar da natureza. A ciência, porém, não seria da sua alçada; ela seria obra individual. Deveríamos à sociedade as noções simples, grosseiras mesmo, que nos servem diariamente para dirigir nossos movimentos; mas ela nada teria a ver com as representações mais finas que têm, antes de tudo, por objeto expressar as coisas tal e qual são objetivamente, com toda a complexidade de seus caracteres metodicamente analisados. […]

Porém, em realidade, a ciência é coisa eminentemente social, por maior que possa ser a parte que nela tomam os indivíduos. Ela é social porque é produto de uma vasta cooperação que se estende não só a todo o espaço, mas a todo o tempo. É social porque supõe métodos, técnicas que são resultado da tradição e que se impõem ao trabalhador com uma autoridade comparável àquela da qual são investidas as regras do direito e da moral. pão verdadeiras instituições que se aplicam ao pensamento, como as instituições jurídicas ou políticas são métodos obrigatórios da ação. A ciência é ainda coisa social porque põe em operação noções que dominam todo o pensamento e na qual toda a civilização está como que condenada: são as categorias. Falta, portanto, o papel da sociedade cessar onde começa o campo da pura especulação; pois a especulação repousa em bases sociais.


  1. 1906-1909 , T. XI, pp. 44-45. 

  2. Durkheim relata uma obra de Wilhelm Jerusalem (Soziologie des Erkennens, 1909), que privilegia, na elaboração das ciências, o fator individual.