Aristóteles (Metafísica) – As “Ideias” são inúteis

Aristóteles, Metafísica, liv. XIII, § V

A maior dificuldade [que a doutrina das ideias de Platão implica] consiste em saber qual passa a ser a utilidade das ideias para os seres sensíveis eternos ou para aqueles destes seres que nascem e que morrem. Por si mesmas não são causa de nenhum movimento, de nenhuma transformação nesses seres, nem sequer contribuem para a ciência dos mais seres. Com efeito, as ideias não constituem a essência destes seres, porque então estariam neles; muito menos são elas que engendram a sua existência, visto que residem nos seres que participam das ideias. Mas talvez se julgue que são causas no mesmo sentido em que a brancura é causa do objeto branco com o qual se confunde. Esta opinião, que radica nas doutrinas de Anaxágoras e que, depois, Eudóxio, não sabendo por que caminho havia de seguir, adotou, é também muito fácil de refutar. Contra semelhante doutrina poderiam acumular-se inúmeros argumentos. Mas vou mais longe: é impossível que os mais seres provenham das ideias, qualquer que seja a acepção em que se tome a palavra provir. Afirmar que as ideias são exemplares e que os seres participam das ideias significa contentar-se com palavras destituídas de sentido, elaborar metáforas poéticas. Tem, acaso, necessidade de manter o olhar preso às ideias quem quer que trabalhe em sua obra? Qualquer ser pode existir, pode ser feito, sem que algo lhe tenha servido de modelo. E, deste modo, tenha ou não existido Sócrates, pode nascer um homem como Sócrates. Mesmo que Sócrates fosse eterno, é evidente que a mesma consequência decorreria. Além de mais, poderia haver muitos modelos de uma mesma coisa e, por conseguinte, muitas ideias. Por exemplo, em relação ao homem teríamos o animal, o bípede, o animal em si.

Mas há mais. As ideias não seriam apenas modelos dos objetos sensíveis, como também seriam modelos de si mesmas: assim, seria gênero enquanto gênero de ideias; o que significaria que uma mesma coisa seria simultaneamente modelo e cópia. Enfim, ao que parece, não é possível que a essência exista separadamente daquilo de que é essência. Como é então possível que as ideias, que são as essências das coisas, tenham existência autônoma?

No Fédon afirma-se que as ideias são as causas do ser e do devir. Pois bem: mesmo que as ideias existissem, não poderia haver produção sem uma causa motora. Ora são inúmeras as coisas que devêm: por exemplo, uma casa, um animal, e não se pretende que existam ideias delas; daqui decorre que os seres, a respeito dos quais se admite a [existência de] ideias, são susceptíveis de ser e de devir, mediante a ação de causas análogas às que atuam sobre as causas de que há pouco falávamos, e que não são as ideias as causas destes seres.