No olho do furacão da informatização que varre atualmente a cultura ocidental repousa uma Scienza Nuova, a cibernética. A exemplo da física-matemática que dominou a Modernidade esta nova ciência lança um novo Discurso do Método, como afirma Gilbert Simondon1. Desde o final dos anos 1940 ela vem se afirmando como uma filosofia, uma epistemologia e uma metodologia para as demais ciências.

Não é necessário ser profeta para reconhecer que as modernas ciências que estão se instalando serão, em breve, determinadas e dirigidas pela nova ciência básica que se chama cibernética.

Esta ciência corresponde à determinação do homem como ser ligado à práxis na sociedade. Pois ela é a teoria que permite o controle de todo o planejamento possível e de toda organização do trabalho humano. A cibernética transforma a linguagem num meio de troca de mensagens. As artes tornam-se instrumentos controlados e controladores da informação.

O desdobramento da Filosofia cada vez mais decisivamente nas ciências autônomas e, no entanto, interligadas, é o acabamento legítimo da Filosofia. Na época presente a Filosofia chega a seu estágio terminal. Ela encontrou seu lugar no caráter científico com que a humanidade se realiza na práxis social. O caráter específico desta cientificidade é de natureza cibernética, quer dizer técnica. Provavelmente desaparecerá a necessidade de questionar a técnica moderna, na mesma medida em que mais decisivamente a técnica marcar e orientar todas as manifestações no Planeta e o posto que o homem nele ocupa.

As ciências interpretarão tudo o que em sua estrutura ainda lembra a sua origem na Filosofia, segundo as regras de ciência, isto é, sob o ponto de vista da técnica. As categorias das quais cada ciência depende para a articulação e delimitação da área de seu objeto, a compreendem de maneira instrumental, sob a forma de hipóteses de trabalho.

A verdade destas hipóteses de trabalho não será apenas medida nos efeitos que sua aplicação traz para o progresso da pesquisa. A verdade científica é identificada com a eficiência destes efeitos.

Aquilo que a Filosofia, no transcurso de sua história, tentou em etapas, e mesmo nestas de maneira insuficiente, isto é, expor as ontologias das diversas regiões do ente (natureza, história, direito, arte), as ciências o assumem como tarefa sua. Seu interesse dirige-se para a teoria dos, em cada caso necessários, conceitos estruturais do campo de objetividade aí integrado.

“Teoria” significa agora: suposição de categorias a que se reconhece apenas uma função cibernética, sendo-lhe negado todo sentido ontológico. Passa a imperar o elemento racional e os modelos próprios do pensamento que apenas representa e calcula.2

Essa longa citação de uma das raras, mas profunda referência, feita por Heidegger, a emergente cibernética dos anos 50, é necessária para dar o tom desta breve análise de um dos fundamentos da informática. A própria noção de informação herdou da cibernética todas as conotações singulares que enfatiza através da tecnologia que a sustenta e dissemina, nos termos desta apropriação.

A cibernética não foi apenas uma mutação na história das técnicas, uma invenção. Trata-se de teoria aplicada “às máquinas e aos seres vivos”, conforme proposta por Wiener, que se dispõe a renovar a concepção geral da natureza, do animal, do homem e da tecnologia, a partir de modelos operatórios. A cibernética representa, filosoficamente um duplo movimento de tecnicização da natureza e de naturalização da técnica que constitui, de fato, um pensar experimental nutrido por modelos, simuladores suscetíveis de serem codificados e integrados a uma lógica tecnológica unitária3.

Neste somatório de influências que governou o destino da informática coube ainda à cibernética uma contribuição ímpar: na concepção dos primeiros computadores, na fundação das bases da inteligência artificial, na introdução dos conceitos e do formalismo lógico-matemático nas neurociências, e mais que tudo, na disseminação de um complexo de ideias, conjugando as noções de sistemas, de informação, de comunicação e de cálculo4.


  1. SIMONDON, Gilbert. Du Mode d’Existence des Objets Techniques. Paris: Aubier, 1958/1989, pág. 104 

  2. HEIDEGGER, Martin. Martin Heidegger – Conferências e Escritos Filosóficos. Tradução e notas Ernildo Stein. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999, pág. 97 

  3. BEAUNE, Jean-Claude. L’automate et ses mobiles. Paris: Flammarion, 1980, pág. 308 

  4. DUPUY, Jean-Pierre. Nas Origens das Ciências Cognitivas. São Paulo: UNESP, 1995 

Essência da Informática