de Castro – Essência da técnica e essência da informática

Heidegger começa seu ensaio sobre a questão da técnica, reconhecendo que a resposta à questão “o que é a técnica?”, já foi aparentemente dada. Ou ela é um meio para certos fins ou uma atividade do homem. Respostas solidárias entre si, pois ditar fins e dispor meios para tais fins, são atos humanos.

A técnica é “fazimento”, como dizia Darcy Ribeiro. A técnica é imanente à vida do ser humano, em seus domínios do ato, do atuar, voltado para ação, e do fato, do fazer, voltado para o labor ou o trabalho. Domínios aceitos, desde a Antiguidade Clássica, como do actum e do factum, e regidos respectivamente pela Prudência (uma das virtudes mais enaltecidas àquela época), e pela Arte ou Técnica (termos originalmente derivados do mesmo termo grego techne).

Estes domínios acabaram submetidos à regência única da essência da técnica moderna. O atuar, respondendo aos ditames das técnicas comportamentais e administrativas, e o fazer, respondendo aos requisitos técnicos industriais, sob o controle das técnicas informacionais-comunicacionais. E os dois, recentemente, apreendidos pela informatização como algoritmos e dados simbólicos nos programas e bases de dados da informática. Nos termos propostos por Heidegger, a técnica moderna sob a regência da informática, é uma teia de “dis-posições e dis-positivos” em cuja trama homem e mundo estão cada vez mais emaranhados, elevando os limites do possível1) muito além do sensível.

Heidegger considera as interpretações da técnica, instrumental (meio para um fim) e antropológica (atividade humana), corretas, mas aquém da verdade, especialmente no tocante à técnica moderna. A técnica artesanal do passado não pode se comparar a uma técnica industrial, e certamente muito menos à técnica informacional-comunicacional.

A determinação instrumental sendo correta, se aplica também à técnica moderna, por mais que se argumente quanto às diferenças entre a técnica artesanal e a técnica industrial. Sendo correta, ela se presta muito bem a orientar o relacionamento justo com a técnica e assim estimular sua adoção disciplinada. Vale aí o lema: “manusear com espírito a técnica de maneira a dominá-la, evitando que escape ao controle do homem”.

Mas, como questiona Heidegger, se a técnica não for um simples meio, se ela não for apenas um instrumento? Como então cogitar em domesticá-la? Embora exata, a concepção instrumental da técnica revela algo de sua essência, no sentido que expressa uma faceta de sua natureza, uma verdade sobre a técnica.

Só a verdade pode estabelecer uma relação livre com aquilo que se remete a partir de sua própria essência, como lembra Heidegger. Mas para chegar à essência é preciso defrontar-se com a aparência, com esta concepção instrumental, investigando seu caráter próprio, e as conotações de meio e fim que acompanham esta concepção.

GA7:

HEIDEGGER, M. Ensaios e Conferências. Tradução: Emmanuel Carneiro Leão; Tradução: Gilvan Fogel; Tradução: Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2002.

Tese de Doutorado em Filosofia (UFRJ, 2005)

DE CASTRO, M. C. O que é informática e sua essência. Pensando a “questão da informática” com M. Heidegger. UFRJ-IFCS, , 2005. Disponível em: <https://www.academia.edu/43690212/O_que_%C3%A9_inform%C3%A1tica_e_sua_ess%C3%AAncia_Pensando_a_quest%C3%A3o_da_inform%C3%A1tica_com_M_Heidegger>

  1. A lei inaparente da terra a resguarda na suficiência sóbria do nascer e perecer de todas as coisas, no círculo comedido do possível a que tudo segue e ninguém conhece. […] Só a vontade que, a toda parte, se instala na técnica, esgota a terra até a exaustão, o abuso e a mutação do artificial. A técnica obriga a terra a romper o círculo maduro de sua possibilidade para chegar ao que já não é nem possível e, portanto, nem mesmo impossível. As pretensões e os dispositivos técnicos possibilitaram o êxito de muitas descobertas e inovações. Mas isso não prova, de modo algum, que as conquistas da técnica tenham tornado possível até mesmo o impossível. (GA7:85