O qualificador informacional para o meio, sugere a presença crescente de sistemas informáticos entre os elementos deste meio, e o processo de informatização ou de gradual sistematização e digitalização de todas as coisas, passíveis de transcrição como dado digital, em seu “fantasma informacional”.

Assim sendo, uma contribuição para este entendimento da natureza informacional do novo meio deve começar por uma tentativa de clarificar os termos específicos associados à questão informacional, quais sejam: informática, computador e informação.

Philippe Breton1 afirma que estes são, de fato, grandes termos “metatécnicos”, e não simples termos operatórios. No sentido que designariam uma ação definida dentro de um domínio específico, mas que servem, ao mesmo tempo, para se pensar e se designar este domínio.

Em 1955, foi proposto, por Jacques Perret, professor da Sorbonne, o termo ordinateur (ordenador, em francês), a pedido da companhia IBM-France. Para Breton, o objetivo parece ter sido de individualizar, por um nome especial, as calculadoras eletrônicas digitais que a companhia produzia àquela época, ao mesmo tempo que pretendia indicar que estas calculadoras podiam preencher além das funções numéricas, funções sociais dentro das organizações e da própria sociedade.

Sob este duplo interesse, se ocultava um jogo geopolítico de afirmação da França, neste cenário emergente da informática, através da definição de uma linguagem tecnológica própria, fundada na língua francesa.

Breton faz notar que a escolha terminológica de Perret baseou-se, segundo uma carta do próprio Perret, no vocabulário religioso, por mais distante que este possa ser do objeto designado e de seu novo contexto técnico. Efetivamente, ordenador designa a função daquele que confere uma ordem na Igreja. O ordenador é aquele que pratica a ordenação.

Mas ordenador é também um adjetivo, em francês. Um qualificador de ordem e arranjo. Desta maneira, este nome novo para a calculadora afigurava-se, desde o princípio, alinhado com o projeto social e cognitivo de uma emergente tecnologia da informação. Embora seus progenitores, na década de 40, divergissem a principio sobre o destino do computador: uma máquina de cálculo, para von Neumann, ou uma máquina de comunicação, para Wiener.

O termo francês, ordinateur, prenuncia muito melhor a natureza desta máquina, que revolucionaria a sociedade neste final de século. A denominação em língua inglesa, inicialmente “calculador(a)”, e, logo em seguida, “computador”, vela sob seu pragmatismo, o destino maior deste instrumento. Embora se possa dizer que também se esconde sob a denominação computador, uma designação religiosa, a do computus latino, referindo-se ao método de computar as datas das festas móveis no calendário eclesiástico anual.

Com o avanço da teoria da cibernética, nos anos 50 e 60, influenciando sobremaneira as demais ciências, e as técnicas em geral, popularizou-se a ideia de “máquina inteligente”, de “cérebro eletrônico”. Uma nova geração de máquinas, utilizando mecanismos sofisticados de regulação, em hardware e em software, oferecia-se como substitutos do homem em tarefas repetitivas, com mínima criatividade. A implementação do computador como componente destes sistemas, como seu centro de inteligência, seu “cérebro eletrônico”, deu um vigor maior à terminologia anglo-saxônica, em detrimento da francesa, ordinateur; ao mesmo tempo que se manifestava a hegemonia dos Estados Unidos neste cenário.

Quanto ao termo “informática”, mais novo (aparece em 1962) que “computador”, trata-se de uma concatenação de duas palavras que o precederam. Sobre exatamente que palavras, ainda existe alguma controvérsia. Breton nos informa sobre duas interpretações diferentes: para alguns, fusão de informação e automática; e, para outros, “tica” é um sufixo associado à informação, com o propósito de indicar um domínio científico ou técnico, como em linguística.

Qualquer que seja sua origem prenuncia-se uma ciência ou uma técnica de tratamento da informação. Neste sentido, uma tecnociência com uma proposta de “método universal” para operar com dados de qualquer campo de estudo ou de atividade humanos. A questão crucial vai ser justamente colocada, sobre a caracterização deste objeto a ser tratado pela informática: a informação. Uma vez conceituada a informação, em qualquer disciplina ou atividade, o passo seguinte é a adequação do método informacional a seu pleno uso.

Segundo Breton, desde 1966, Jacques Arsac, o primeiro titular de uma cadeira de informática na França, já defendia uma conceituação precisa de informação, distinta de conhecimento, definindo a informação como um simples suporte, forma, ou envelope, como se queira, que não deve ser confundida com seu conteúdo.

Essa conceituação, por si mesmo reveladora de uma intencionalidade, é efetivamente uma das mais axiomáticas da informática, enquanto tecnologia da informação. Assim, de forma simples, mas pretensiosa, a informática se coloca como uma meta-tecnociência: um discurso e um método tecnocientífico capaz de formalizar, sob a codificação digital única de cada ente informacional, associada a um conjunto finito de operações lógicas sobre este mesmo ente, a linguagem perfeita e universal de registro de tratamento e processamento dos conteúdos informacionais-comunicacionais, de qualquer disciplina ou atividade.

Reconhecer e redimir este agravo à justa racionalidade, é o maior desafio que vem sendo colocado pela chamada informatização da sociedade, a qual, em sua ação mais elementar, assemelha-se a um simples processo de operação sobre informações, de qualquer natureza, pela informática. No entanto, podemos dizer que a informatização, em sua idealização maior, configura-se de fato, como a mais recente manifestação do grande ideal de uma clavis universalis2).

Assim, informatizar é, um supermodo de organização. Tanto desencadeia as forças produtivas, como contém os modos de produção no poder e não poder de uma ordem planetária de dominação. Os modos cibernéticos de organização recolhem em si as condições de toda a vigência social e de toda a causalidade histórica. Ora, é no fluxo de uma socialização total, é na avalanche de uma historização que as ordens simbólicas se compõem com as ordens pragmáticas nas superestruturas da automação. Se pensarmos, portanto, em toda a envergadura o desafio da informatização, não há cegueira que nos impeça ver nela a realização da essência planetarizante da técnica moderna. No poder dos chies de macro- e micro-bytes, Hegel celebra com Marx o sistema do absoluto, quer em sua versão idealista, quer em sua versão materialista. É a composição final de todas as posições e de todas as oposições em sua dinâmica de locupletação. É a síntese escatológica de todas as teses e de todas as antíteses, em sua história de absolutização.3


  1. BRETON, Philippe (1990): “Le sens des mots: l’apparition des termes ‘informatique’, ‘ordinateur’ et ‘information’”, in Frank Tinland (ed.), La techno-science en question. Seyssel, Champ Vallon. 

  2. “O termo clavis universalis foi empregado, entre os séculos XVI e XVII, para designar o método ou ciência geral que permite ao homem apreender, alem das aparências fenomenais ou das sombras das ideias, a estrutura ou trama ideal que constitui a essência da realidade.” (ROSSI, Paolo (1993), Clavis Universallis. Arts de la mémoire, logique combinatoire et langue universelle de Lulle à Leibniz. Grenoble, Millon, p.13 

  3. CARNEIRO LEÃO, Emmanuel, Aprendendo a pensar. Volume II. Petrópolis: Vozes, 1991, pág. 94 

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Essência da Informática, SIG ou sig