Stiegler1994

Devemos falar de uma razão tecnológica? Então teríamos que provar que existe uma universalidade tecno-lógica, o que Gille não faz, e nem mesmo levanta a questão. Por outro lado, essa é a própria hipótese de Leroi-Gourhan. Vimos o historiador lidar principalmente com duas questões: a de um dinamismo inerente à tecnologia organizada como um sistema, operando de acordo com sua própria lógica, que é tanto racional quanto determinista; e a da relação desse sistema dinâmico com outros sistemas e, portanto, de sua integração ao fato histórico geral. Leroi-Gourhan aborda essas questões do ponto de vista não da história, mas da etnologia. L’Homme et la Matière estabelece a hipótese de tendências técnicas universais, independentemente das localidades culturais dos grupos étnicos nos quais elas tomam forma como fatos técnicos. Desse modo, Leroi-Gourhan lida tanto com a dinâmica tecnológica imanente quanto com a relação entre os sistemas técnicos e outros sistemas: a tendência, como universal, entra em uma relação complexa com as realidades étnicas particulares que produzem os fatos técnicos, dos quais ela deve ser distinguida, embora apenas eles a produzam. Ao “atravessar” os meios étnicos, ela se “difrata” em uma diversidade indefinida de fatos, o que nos levará, na leitura de Milieu et Techniques, a estudar a relação entre o técnico, cuja essência é a tendência universal, e o étnico, cuja manifestação, que é sua concretização particular, encobre sua universalidade. É nesse contexto que a questão da invenção será novamente abordada. Todas essas hipóteses sobre a evolução técnica são dominadas por uma analogia com a biologia e a zoologia. O tema da combinatória, já presente na obra de Gille, está muito mais claramente relacionado aqui a uma teoria da seleção das melhores formas técnicas de acordo com as possibilidades combinatórias.

O etnólogo observa os fatos e procura ligações entre eles. Em seguida, ele tenta explicar o princípio das ligações. No campo da tecnologia, onde esse princípio também é a força motriz por trás da evolução, o erro da etnologia geralmente tem sido atribuir o princípio da universalidade que emerge das ligações entre os fatos não à tendência técnica como tal, mas ao gênio de uma cultura específica: a cultura indo-europeia. O conceito de tendência técnica se opõe a essa ilusão etnocêntrica, formalizada na teoria dos “círculos concêntricos”. O acordo entre o historiador e o etnólogo é claro: não há gênio da invenção, ou pelo menos ele desempenha apenas um papel secundário na evolução técnica. Pelo contrário, há uma sistematicidade que traz tendências em jogo aqui e que é realizada em um acoplamento de homem e matéria que precisa ser esclarecido.

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André Leroi-Gourhan, Bernard Stiegler