Leroi-Gourhan (Gesto) – Pensamento dilatado e pensamento restringido

No entanto, afirmar que «os homens sempre pensaram bem» não implica que os conteúdos, ou seja, os estilos de cultura e de pensamento tenham sido idênticos. O próprio Lévi-Strauss faz a distinção entre «sociedades frias» e «sociedades quentes», em que a evolução técnica se acelera (cf. Tristes Trópicos). Por outro lado, o paleontó-entre «sociedades frias» e «sociedades quentes» em que a evolução técnica se acelera (cf. Tristes Trópicos). Por outro lado, o paleontólogo distingue o pensamento dilatado das sociedades sem escrita, onde a ferramenta — incluindo a ferramenta linguística — tem uma pluralidade de funções dentro da sua própria rudimentaridade. No extremo oposto, as sociedades que possuem uma escrita, uma sintaxe, um dicionário, códigos de informação, «restringem» o campo epistemológico e fecham-se à expansão imaginária e poética.

A passagem do pensamento mitológico ao racional fez-se progressivamente e num sincronismo completo com a evolução do agrupamento urbano e da metalurgia. Podemos situar aproximadamente em 3500 a. C. (dois mil anos antes da aparição das primeiras aldeias) os germes mesopotâmicos iniciais de escrita.

O pensamento da Antiguidade pré-alfabética é resplandecente como o corpo do ouriço ou da estrela-do-mar, começa a adquirir a locomoção rectilínea nas escritas arcaicas cujos meios de expressão continuam, salvo para a congratibilidade, ainda muito difusos. O enclausurar do mundo na teia dos símbolos «exactos» está apenas esboçado e o pensamento atinge, no Mediterrâneo ou na China de há mil anos antes da nossa era, o ponto culminante da sua riqueza no manejo do seu pensamento mitológico. O mundo é então o da calote celeste ligada à Terra por uma trama de correspondências ilimitadas, idade de ouro de um conhecimento pré-científico que deixou como que uma recordação nostálgica aos tempos actuais.

O movimento determinado pela sedentarização agrícola contribuiu, como vimos, para uma acção cada vez mais restrita do indivíduo sobre o mundo material. Este triunfo progressivo do utensílio é inseparável do da linguagem. Trata-se, na realidade, de um fenómeno, assim como a técnica e a sociedade, num mesmo plano, são um mesmo assunto. A linguagem encontra-se no mesmo plano que as técnicas a partir do momento em que a escrita passa a ser apenas um meio de registar foneticamente o encadeamento do discurso e a sua eficácia técnica é proporcional à eliminação do halo de imagens associadas que caracteriza as formas arcaicas de escrita.

É, portanto, no sentido dum restringimento das imagens para uma rigorosa linearização dos símbolos que a escrita tende. Possuindo o alfabeto, o pensamento clássico e o moderno possui mais do que um meio de conservar na .memória o resultado exacto das suas aquisições progressivas nos diferentes domínios da sua actividade; dispõe de um utensílio pelo qual o símbolo pensado se submete à mesma notação na palavra e no gesto. Esta unificação do processo expressivo implica a subordinação do grafismo à linguagem sonora, reduz o desperdício de símbolos que é ainda característico da escrita chinesa e corresponde ao mesmo processo seguido pelas técnicas no decurso da sua evolução.

Corresponde também a um empobrecimento dos meios de expressão irracionais. Se considerarmos que esta via seguida pela humanidade até à época actual é perfeitamente favorável ao seu futuro, isto é, se confiarmos inteiramente nas consequências da fixação agrícola, esta perda do pensamento simbólico multidimensional deve ser considerada apenas como um melhoramento na evolução dos equídeos, quando os seus três dedos se reduziram a um único. Se, pelo contrário, considerarmos que o homem realizaria a sua plenitude num equilíbrio em que manteria contacto com a totalidade do real, poderíamos interrogar-nos se o óptimo não é rapidamente ultrapassado a partir do momento em que o utilitarismo técnico encontra, numa escrita completamente canalizada, os meios para um desenvolvimento ilimitado.

(A. Leroi-Gourhan, O Gesto e a Palavra, t. I, Edições 70, 1981, pp. 209, 210, 211.)