Leroi-Gourhan (Homem Matéria) – Separação do técnico e do cultural

Contudo a antropologia e a paleontologia humana advertem-nos contra a difusão do determinismo técnico na cultura ambiente. Uma similitude de técnicas não leva, ipso facto, a uma similitude das culturas. É que o determinismo técnico tem justamente um carácter zoológico muito marcado, desenrola-se por si e pode integrar-se em horizontes culturais muito diferentes e afastados.

O determinismo técnico é tão marcado como o da zoologia: da mesma forma que Cuvier, ao descobrir uma mandíbula de sarigueia num bloco de gipso, pôde convidar os seus colegas incrédulos a prosseguir com ele à libertação do esqueleto e predizer-lhes a revelação dos ossos marsupiais, a etnologia pode, até um certo ponto, da forma duma lâmina de utensílio fazer previsões sobre a forma do cabo e sobre o emprego do utensílio completo.

Mas não se esqueçam de que Cuvier se enganou muitas vezes, porque há uma diferença de essência absoluta entre a tendência determinante e o facto material. Há as tendências gerais que podem dar origem a técnicas idênticas, mas sem laço de parentesco material, e os factos que, qualquer que seja a sua proximidade geográfica, são individuais, únicos. Encontra-se ao mesmo tempo nos Esquimós do Alasca, nos Índios do Brasil e nos Negros de África o costume de implantar ornamentos de madeira ou de osso no lábio inferior. Há muita identidade técnica, mas, até hoje, nenhum esforço sério pôde levar a demonstrar o parentesco destes grupos humanos. A charrua malaia, a do Japão e a do Tibete representam três formas vizinhas e certamente relacionadas na história antiga dos três povos: cada uma, contudo, pelo solo cultivado, pelos detalhes da sua montagem, pelo modo de atrelagem, pelo sentido simbólico ou social que lhe é dado, representa efectivamente qualquer coisa de único, categoricamente individualizado.

(A. Leroi-Gourhan, L’Homme et la Matière, Albin Michel, 1943, p. 14.)