A noção de conhecimento parece-nos Una e evidente. Mas, assim que a interrogamos, ela rebenta, diversifica-se, multiplica-se em inúmeras noções, cada uma das quais põe uma nova interrogação.
- Os conhecimentos? O saber? Os saberes? A informação? As informações?
- A percepção? A representação? O reconhecimento? A conceptualização? O juízo? O raciocínio?
- A observação? A experiência? A explicação? A compreensão? A causalidade?
- A análise? A síntese? A indução? A dedução?
- O inato? O adquirido? O aprendido? O adivinhado? O verificado?
- A investigação? A descoberta? A engramação? A arquivagem?
- O cálculo? A computação? A cogitação?
- O cérebro? O espírito? A escola? A cultura?
- As representações colectivas? As opiniões? As crenças?
- A consciência? A lucidez? A clarividência? A inteligência?
- A ideia? A teoria? O pensamento?
- A evidência? A certeza? A convicção? A prova?
- A verdade? O erro?
- A crença? A fé? A dúvida?
- A razão? A sem-razão? A intuição?
- A ciência? A filosofia? Os mitos? A poesia?
Assim, desde um primeiro olhar superficial, a noção de conhecimento voa em estilhaços. Se antes quisermos tentar considerá-la em profundidade, torna-se cada vez mais enigmática. É um reflexo das coisas? Uma construção do espirito? Uma revelação? Uma tradução? Que tradução? Qual é a natureza daquilo que traduzimos em representações, noções, ideias, teorias? Captamos nós o real ou somente a sua sombra?
Nós compreendemos, mas compreendemos nós o que quer dizer compreender? Captamos ou damos significados, mas qual é o significado da palavra «significado»? Pensamos, mas acaso sabemos pensar o que quer dizer pensar? Existe um impensável no pensamento, um incompreensível na compreensão, um inconhecível no conhecimento?
Ignorância, desconhecido, sombra, eis aqui o que encontramos na ideia de conhecimento. O nosso conhecimento, todavia tão intimo e familiar em nós mesmos, torna-se-nos estrangeiro e estranho quando o queremos conhecer. Eis-nos colocados logo à partida diante desse paradoxo de um conhecimento que não só se desfaz em migalhas à primeira interrogação mas que também descobre o desconhecido em si mesmo, e ignora até o que é conhecer.