Edgar Morin (Método3) – O desconhecido do conhecimento

A noção de conhecimento parece-nos Una e evidente. Mas, assim que a interrogamos, ela rebenta, diversifica-se, multiplica-se em inúmeras noções, cada uma das quais põe uma nova interrogação.

  • Os conhecimentos? O saber? Os saberes? A informação? As informações?
  • A percepção? A representação? O reconhecimento? A conceptualização? O juízo? O raciocínio?
  • A observação? A experiência? A explicação? A compreensão? A causalidade?
  • A análise? A síntese? A indução? A dedução?
  • O inato? O adquirido? O aprendido? O adivinhado? O verificado?
  • A investigação? A descoberta? A engramação? A arquivagem?
  • O cálculo? A computação? A cogitação?
  • O cérebro? O espírito? A escola? A cultura?
  • As representações colectivas? As opiniões? As crenças?
  • A consciência? A lucidez? A clarividência? A inteligência?
  • A ideia? A teoria? O pensamento?
  • A evidência? A certeza? A convicção? A prova?
  • A verdade? O erro?
  • A crença? A fé? A dúvida?
  • A razão? A sem-razão? A intuição?
  • A ciência? A filosofia? Os mitos? A poesia?

Assim, desde um primeiro olhar superficial, a noção de conhecimento voa em estilhaços. Se antes quisermos tentar considerá-la em profundidade, torna-se cada vez mais enigmática. É um reflexo das coisas? Uma construção do espirito? Uma revelação? Uma tradução? Que tradução? Qual é a natureza daquilo que traduzimos em representações, noções, ideias, teorias? Captamos nós o real ou somente a sua sombra?

Nós compreendemos, mas compreendemos nós o que quer dizer compreender? Captamos ou damos significados, mas qual é o significado da palavra «significado»? Pensamos, mas acaso sabemos pensar o que quer dizer pensar? Existe um impensável no pensamento, um incompreensível na compreensão, um inconhecível no conhecimento?

Ignorância, desconhecido, sombra, eis aqui o que encontramos na ideia de conhecimento. O nosso conhecimento, todavia tão intimo e familiar em nós mesmos, torna-se-nos estrangeiro e estranho quando o queremos conhecer. Eis-nos colocados logo à partida diante desse paradoxo de um conhecimento que não só se desfaz em migalhas à primeira interrogação mas que também descobre o desconhecido em si mesmo, e ignora até o que é conhecer.