Heidegger (GA65:§76) – A busca de resultados na ciência

[HEIDEGGER, Martin. Contribuições à Filosofia (Do Acontecimento Apropriador). Tr. Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Via Verita, 2014, §76]

10) Na medida em que “a ciência” tem na investigação integral de sua região a única tarefa que lhe é própria, a ciência mesma porta em si o traço de uma elevação da posição de primado do avanço e do procedimento em face da própria região de objetos. A questão decisiva para a ciência enquanto tal não é que caráter essencial tem o ente mesmo que se acha à base da sua região de objetos, mas se com esse ou com aquele procedimento é possível esperar por um “conhecimento”, isto é, por um resultado para a investigação. Diretriz é o olhar para a instituição dos “resultados” e para a colocação dos “resultados” à disposição. Os resultados e até mesmo o seu caráter imediata e inteiramente próprio para a utilização asseguram a correção da investigação, correção científica essa que é considerada como a verdade de um saber. Ao se reportar aos “resultados” e à sua utilidade, “a” ciência precisa buscar a partir de si a ratificação de sua necessidade (não faz em essência nenhuma diferença se, nesse caso, “a ciência” se justifica como “valor cultural” ou como “serviço ao povo” ou como “ciência política”, razão pela qual, então, todas as justificativas e “dotações de sentido” desse tipo correm umas através das outras e se comprovam cada vez mais, apesar da aparente inimizade, como se copertencendo). Só uma ciência inteiramente moderna (isto é, “liberal”) pode ser uma “ciência popular”. Só a ciência moderna permite, com base na posição de primado do procedimento em face da coisa e da correção do juízo em face da verdade do ente uma comutação regulável sempre e a cada vez de acordo com a necessidade e com vistas a diversas finalidades (levar a termo o materialismo e o tecnicismo decisivos no bolchevismo; entrada em ação no plano quadrienal; utilização para a educação política). “A” ciência é aqui por toda parte a mesma, e ela se torna por meio desses diversos estabelecimentos de finalidades no fundo cada vez mais uniforme, isto é, “internacional”. Como a “ciência” não é nenhum saber, mas a instituição de correções em uma região explicativa, “as ciências” também experimentam necessariamente a partir do estabelecimento de finalidades a cada vez novas ao mesmo tempo novos “impulsos”, com a ajuda dos quais elas podem se convencer ao mesmo tempo da inexistência de toda e qualquer ameaça (a saber, de toda e qualquer ameaça essencial) e continuar investigando com uma “aquietação” renovada. Assim, não foram precisos agora senão poucos anos até que “a ciência” tivesse clareza quanto ao fato de que sua essência “liberal” e seu “ideal de objetividade” não apenas se mostram como bem compatíveis com a “orientação” político-popular, mas são mesmo imprescindíveis para ela. E, por isso, tanto a partir da “ciência”, quanto a partir da “visão de mundo”, é preciso admitir de maneira unânime, que o discurso sobre uma “crise” da ciência de fato não foi senão um falatório. A “organização” “popular” “da” ciência movimenta-se pela mesma via que a organização “americanista”, a questão é apenas de que lado os meios e as forças maiores são colocados para a disposição mais rápida e plena, a fim de sair à caça da essência inalterada e também inalterável por si da ciência moderna, indo ao encontro de seu estado final extremo, uma “tarefa” que pode precisar ainda de séculos e que exclui de maneira cada vez mais definitiva toda e qualquer possibilidade de uma “crise” da ciência, isto é, de uma transformação essencial do saber e da verdade.