A instituição social histórica é aquilo em que e por que se manifesta e é o imaginário social. Esta instituição é instituição de um magma de significações, as significações imaginárias sociais. O suporte representativo participável destas significações — ao qual, é claro, elas não se reduzem e que pode ser direto ou indireto — consiste em imagens ou figuras, no sentido mais amplo do termo: fonemas, palavras, cédulas, djinns, estátuas, igrejas, instrumentos, uniformes, pinturas corporais, cifras, postos aduaneiros, centauros, batinas, partituras musicais — mas também a totalidade do percebido natural, designado ou designável pela sociedade considerada. As composições de imagens ou figuras podem ser, e frequentemente são, imagens ou figuras por sua vez, e, portanto, também suportes de significação. O imaginário social é, primordialmente, criação de significações e criação de imagens ou figuras que são seu suporte. A relação entre a significação e seus suporte (imagens ou figuras) é o único sentido preciso que se pode atribuir ao termo simbólico; é com este sentido que este termo é utilizado aqui.1
As significações de uma sociedade são também instituídas, direta ou indiretamente, em e por sua linguagem — ao menos uma parte considerável delas, as que são explicitadas ou explicitáveis. Mas também, e ao mesmo tempo, a conjuntização, ou organização identitária, do mundo instituído pela sociedade faz-se no e pelo legein (distinguir-escolher-estabelecer-juntar-contar-dizer). O legein é a dimensão conjuntista-conjuntizante do representar/dizer social, como o teukhein (juntar-ajustar-fabricar-construir) é a dimensão conjuntista-conjuntizante do fazer social. Os dois se apoiam sobre o aspecto identitário do primeiro estrato natural — mas os dois são, já como tais, criações sociais, instituições primordiais e instrumentais de toda instituição (o que não implica nenhuma anterioridade temporal ou lógica).
A linguagem existe em e por duas dimensões ou componentes indissociáveis. A linguagem é língua enquanto significa, ou seja, enquanto se refere a uma magma de significações. A linguagem é código enquanto organiza e se organiza identitariamente, ou seja, enquanto é sistema de conjuntos (um de relações conjuntizáveis); ou, ainda, enquanto é legein.
A conjuntização do mundo que institui a sociedade não é simplesmente operada pela linguagem enquanto código, isto é, enquanto legein como instrumento agindo sobre aquilo que lhe é exterior. Ela é também, e sobretudo, encarnada e realizada na própria linguagem, ela é “presentificada” no legein como produto de sua própria operação; é somente em e por esta conjuntização que a linguagem pode também ser código.2
A linguagem é sempre também necessariamente código; ela sempre estabelece termos (elementos conjuntistas) e relações praticamente unívocas (conjuntistas ou conjuntizáveis) entre termos; ela compreende e institui sempre uma dimensão de univocidade ou identitária. Ela só pode existir instituindo uma dimensão identitária e instituindo-se numa tal dimensão. A linguagem, enquanto código, se institui, também, como sistema de conjuntos e de relações conjuntistas ou conjuntizáveis ou seja, de aplicações, no sentido matemático do termo, indo de um sistema a outro. A linguística contemporânea ocupa-se, quase que exclusivamente, apenas deste aspecto da linguagem.
Essa é de início a situação no que se refere à linguagem no seu existir material-abstrato, como suporte representativo, hierarquia de conjuntos de imagens-figuras ou sistema de significantes em níveis diferentes. Para que uma’ linguagem possa existir, é preciso que o contínuo sonoro seja decomposto em fatias, correspondendo cada uma das quais a um único fonema. O ser do fonema, tal como Troubetzkoi e Jakobson souberam expressar, é um ser material-abstrato. Um fonema é uma entidade — imagem ou figura — abstrata, independente, nos limites que a definem, de sua realização material concreta e das variações inevitáveis e indefinidas destas, mas não de toda realização material. Um fonema é uma forma, um eidos, que faz com que sejam como idênticos (indiscerníveis) fenômenos sonoros que não são, e por definição não podem ser fisicamente idênticos. (A discussão sobre a analisibilidade ou não dos fonemas em traços distintivos não é pertinente para nós aqui). É indiferente se em lugar de fonemas consideramos suportes gráficos quaisquer. O sistema fonológico de uma linguagem (e de modo mais geral todo sistema semiótico) é portanto instituição de termos discretos, de elementos bem distintos e bem definidos; é, simultaneamente, conjuntização de contínuo sonoro, definição de um conjunto finito de fonemas, e aplicação (no sentido matemático) do primeiro no segundo. A partir daí, edificam-se, por operações conjuntistas, novos conjuntos e hierarquias determinadas de conjuntos (morfemas, classes gramaticais, tipos sintáticos, e léxico) entre os quais são estabelecidas relações de tipo conjuntista ou conjuntizável. Assim, há a todo momento um conjunto finito e definido de “palavras” possíveis de uma linguagem, <jue é um subconjunto de uma potência cartesiana finita do conjunto de fonemas, ou, em termos mais simples, o resultado de uma combinatória finita de elementos do conjunto de fonemas, sendo excluídas determinadas combinações. As classes gramaticais representam uma divisão do conjunto de palavras: os tipos sintáticos, uma combinatória dos elementos das partes definidas por esta divisão, etc. Estas definições, operações relações são cada vez específicas e características da linguagem considerada. A linguagem só pode operar a conjuntização do mundo, sendo ela mesma sistema de conjuntos e de relações conjuntistas, instituindo-se como um tal sistema. No seu existir material-abstrato, enquanto código ou sistema de código de significantes, a linguagem é o primeiro e único verdadeiro conjunto que jamais existiu, o único conjunto “real” e não simplesmente “formal”; qualquer outro conjunto não somente a pressupõe logicamente, mas só pode ser constituído mediante o mesmo tipo de operações. Toda lógica (e finalmente toda ontologia) identitária é apenas colocação em atividade de operações identitárias instituídas no e pelo legein, na e pela linguagem enquanto código.
O termo “simbólico” tal como empregado na França por determinadas correntes psicanalíticas corresponde em realidade a um componente de certas significações imaginárias sociais, sua normatividade instituída: embora estas significações sejam, cada vez, instituídas com um conteúdo particular, dá-se (e damos) a entender que, por trás destas existe uma normatividade não positiva (que não decorre da instituição particular da sociedade), e engendra. assim, a ilusão de uma normatividade ao mesmo tempo “materialmente definida” e trans — ou metacultural. Assim, fala-se. por exemplo, de “pai simbólico” — que significa simplesmente o pai instituído. ↩
O termo código não é aqui utilizado no sentido que se tornou corrente em linguística depois de Saussure (e que só faz redobrar a noção de sistema). Ele é utilizado com o sentido que tem nas expressões código da cifra, código criptográfico; ou na conhecida fórmula de Shannon “o sentido é o que permanece invariável quando se passa de um código para outro” — fórmula que é. evidentemente, uma definição de código e não do sentido. Um código só é um bom código, e aliás só é código, se seus termos estão em correspondência biunivoca com os de um outro código. No caso da linguagem como código, a correspondência biunivoca é entre os significantes (palavras ou frases) e os elementos designados por estes (os significados enquanto formam sistema conjuntista-identitário). ↩