Peter Burke – Karl Mannheim

Peter Burke. Uma História Social do Conhecimento de Gutenberg a Diderot

Na Alemanha dessa época, havia mais interesse pela sociologia das ideias, ora seguindo as ideias de Karl Marx, ora delas divergindo. O estudo de Weber do que ele chamava de “ética protestante”, por exemplo (publicado originalmente em 1904), situava esse sistema de valores em seu contexto social e também propunha uma teoria sobre suas consequências econômicas. Sua teoria da burocracia (ver p. 110) foi também uma contribuição à sociologia do conhecimento, mesmo não sendo apresentada como tal. Outros sociólogos na Alemanha, em especial Max Scheler e Karl Mannheim (que começou sua carreira na Hungria e a encerrou na Inglaterra), argumentavam mais ou menos ao mesmo tempo que Weber que as ideias são socialmente “situadas” e formadas por visões de mundo ou “estilos de pensamento”. Esses estilos de pensamento eram associados a períodos, a nações e (para Mannheim, mas não para Scheler), a gerações e classes sociais.

Mannheim, por exemplo, contrastava dois estilos europeus de pensamento que se desenvolveram nos séculos XVIII e XIX. De um lado, o estilo francês, liberal e universalista, considerando a sociedade do ponto de vista de uma razão imutável. Do outro o estilo germânico, conservador e “historicista”, no sentido de experimentar o mundo como mudança e de usar a história e não a razão ou a religião para dar sentido à experiência. O interesse de Mannheim não era o de apoiar ou condenar qualquer dos estilos, mas simplesmente observar que os interesses sociais de um dado grupo deixam seus membros sensíveis a certos aspectos da vida social. Sobre essa base, desenvolvem uma “ideologia” particular.

Mesmo assim, segundo Mannheim, os intelectuais eram vistos como um “estrato relativamente sem classe”. Eram uma “intelligentsia flutuante” ( freischwebende Intelligenz ), expressão que Mannheim tomou emprestada de Alfred Weber, irmão do mais famoso Max, mas também um sociólogo importante. O fato de serem relativamente independentes da sociedade – a qualificação “relativamente”é muitas vezes esquecida pelos críticos de Mannheim – permite que os intelectuais vejam as tendências sociais mais claramente do que outras pessoas.

Foi o grupo alemão que batizou seu empreendimento como “sociologia do conhecimento” ( Soziologie des Erkennens , Wissensoziologie ), descrição que soava um tanto estranha e que sem dúvida tinha a intenção de chocar o público. É relativamente fácil aceitar a ideia de uma história ou uma sociologia da ignorância, embora existam relativamente poucos estudos nessa área. Uma análise social dos obstáculos no caminho de nossa descoberta da verdade, ao estilo de Francis Bacon, também não é difícil de aceitar. O que é mais perturbador é a ideia de uma sociologia do conhecimento, uma vez que conhecer é o que os filósofos chamam de um “verbo positivo”: o que conhecemos, por oposição a aquilo em que acreditamos, é verdade por definição. A ideia de uma explicação social da verdade, do tipo formulado por Karl Marx e Friedrich Nietzsche, ainda tem poder de chocar, como demonstrou o caso da discussão dos “regimes de verdade” por Foucault na década de 1980. Na de 1990, intitular um livro sobre a ciência do século XVII de “história social da verdade” ainda soava como uma provocação deliberada.