Se nos voltarmos agora para a ciência — ainda compreendida no sentido da ciência positiva — veremos que, por um lado, a ciência visa sempre um domínio particular. A ciência é ciência da vida, ou da natureza, ou da sociedade e assim por diante. Por outro lado, a ciência atinge apenas generalidades. Ela se afasta, pois, ao mesmo tempo da totalidade e da singularidade, a fim de se estabelecer na zona intermediária da generalidade abstrata. E, no entanto, olhemos mais de perto para ela. Não haverá na ciência uma certa presença tanto da totalidade quanto da concretude singular?

A ciência apoia-se na ideia de uma unidade do saber. Certamente, ela nos aparece concretamente sob a forma de uma multiplicidade de ciências, mas essa multiplicidade não é considerada como a última palavra. A ciência visa, através da multiplicidade, uma unidade virtual, que seria o conhecimento do mundo como um e o mesmo mundo. A ciência é pelo menos virtualmente, enquanto ciência, um saber sistemático do mundo.

Por outro lado, através de suas proposições gerais, a ciência visa o concreto, o singular. As proposições gerais são sempre consideradas do ponto de vista de suas aplicações concretas, de tal maneira que há sempre uma referência ao singular. Além disso, a própria linguagem matemática faz uso de variáveis, e uma variável representa o papel de um indivíduo enquanto indivíduo. A variável, contudo, não se esgota nesse papel, papel que só pode ser completamente compreendido em conjunção com os indivíduos possíveis — que têm que ser indivíduos concretos — e que podem ser representados com o auxílio dessa variável. Em outras palavras, a ciência tem a ambição de um saber real, e o saber real é um saber do real. A ciência não é o sonho de um matemático. Ela sempre se desenvolve visando uma realidade que está sempre dada de antemão, que já está sempre aí. E as proposições da ciência só têm significado na medida em que indicam essa realidade. A realidade em questão é um mundo de indivíduos, um mundo concreto, de tal maneira que a ciência visa realmente a concretude.

Devemos acrescentar também que a ciência visa a concretude na medida mesma em que visa a totalidade. Sua pressuposição fundamental é que há um mundo, e é a unidade desse mundo que inspira suas operações próprias. Esse mundo não é um mundo ideal, é um mundo concreto. E é seu caráter concreto que inspira as operações próprias da ciência. Ela visa, pois, e tem que visar, ao mesmo tempo a unidade, a totalidade e a concretude. Ela não pode atingir a totalidade a não ser assumindo o concreto, que é a própria matéria dessa totalidade. E não pode atingir a concretude a não ser assumindo a totalidade, porque o concreto que é plenamente concreto não é apenas este singular, mas este singular com todas as relações que o unem a todos os singulares que o cercam e, de maneira gradual e cada vez mais próxima, com todos os singulares que constituem, na totalidade de suas relações mútuas, este mundo uno e único sobre o qual estamos meditando.

Jean Ladrière