Markus Gabriel (Pensar) – É lógico sim, ou por acaso não?

A lógica é a doutrina da determinação da relação entre pensamentos. A palavra do grego antigo logos tem uma extensão de significados que abrange relação, medida, enunciado, linguagem, pensar, fala, palavra e razão. Fundamentalmente, trata-se, na lógica, desde o seu estabelecimento como ciência por Platão e Aristóteles, sobre a pergunta acerca de como diferentes pensamentos devem estar interligados, se queremos conhecer algo de novo por meio de puras ligações de pensamentos. Por isso, a lógica se ocupa tradicionalmente com três temas: conceito, juízo e silogismo.

Um conceito é aquilo que podemos separar de um pensamento para reutilizá-lo para um outro pensamento. Tomemos um simples pensamento que se pode expressar da seguinte maneira e que se pode designar como (A):

(A) Angela Merkel mora em Berlim.

Podemos tirar desse pensamento pelo menos dois conceitos. Primeiramente, o conceito Angela Merkel e, segundo, o conceito mora em Berlim. Naturalmente, também se poderia tomar ainda o conceito Berlim ou o conceito mora em, assim como os conceitos Angela e Merkel. Mas o que tenho em mente é o seguinte: podemos, graças às fichas de jogo Angela Merkel e mora em Berlim, chegar a novos pensamentos. Se Angela Merkel mora em Berlim, sabemos que também outros seres humanos podem morar em Berlim, a não ser que tenhamos a informação adicional de que, no momento, apenas uma pessoa mora em Berlim. Se Angela Merkel mora em Berlim, também sabemos que Angela Merkel poderia fazer ainda outras coisas. Ela não apenas mora em Berlim, ela talvez também viaje às vezes para Paris, coma o café da manhã ou ligue para Horst Seehofer. Angela Merkel pode fazer muitas coisas, e muitos podem morar em Berlim.

Tais simples verdades podem ser apreendidas, porque, do pensamento

(A) Angela Merkel mora em Berlim

podem ser deduzidos outros pensamentos. As regras mais gerais de dedução são as regras lógicas. Nesse contexto, a assim chamada generalização existencial é uma lei lógica, como no exemplo: se Oskar (ou Ulla, Jens, Cem, Mariya ou outra pessoa) compra pão, disso se segue que há alguém que compra pão. De modo ainda mais geral: Se algo concreto (chamemos isso: a) tem uma propriedade (E), disso se segue que alguma coisa (x) tem a propriedade E. De “a é E” se pode deduzir que “algum x é E”. Se a maçã é vermelha, algo é vermelho. Isso não é nenhum mistério profundo, mas vale a pena tornar as leis lógicas explícitas e investigar as suas interligações. Isso porque esse projeto nos presenteou com a técnica sem a qual ainda viveríamos na idade da pedra.

As leis lógicas determinam relações entre conceitos assim como entre pensamentos que podemos formar com base em pensamentos dados, como o pensamento (A). A lógica se ocupa com a elaboração de leis lógicas a partir do material existente do pensamento humano. Ela não se pergunta aí, porém, como seres humanos pensam, mas sim como deveriam pensar, se quiserem se comportar de modo racional; ou seja, tentar evitar falácias e deduzir, segundo regras universalmente aceitáveis, a partir de pensamentos verdadeiros, outros pensamentos verdadeiros.

Diferentemente da lógica que, entre outras coisas, responde à pergunta sobre como o ser humano deve pensar se quiser deduzir, de maneira confiável, pensamentos verdadeiros a partir de pensamentos verdadeiros, a psicologia considera como os seres humanos de fato pensam. Lógica e psicologia são duas ciências distintas por princípio. Isso foi indicado com toda razão por, juntamente com Frege, sobretudo Edmund Husserl (1859-1938), que, como Frege, era filósofo e matemático, e colaborou para a fundamentação da lógica matemática moderna.

Algo semelhante vale também para a ética e a economia comportamental: a ética investiga como deveríamos agir; a economia comportamental, como agimos. Assim como a psicologia não refuta a lógica (e inversamente), a economia comportamental não refuta a ética (e inversamente).

O domínio da lógica pode se estender para além do pensamento humano. Na era da big data, vivenciamos exatamente isso. Por meio de simples operações lógicas que reproduzimos matematicamente e podemos programar como software, uma inteligência artificial infere outras informações. Inteligência artificial é uma pura lógica desacoplada do pensamento humano.

Não precisamos tomar aqui univocamente uma posição em relação à questão sobre se há apenas uma ou mais lógicas; ou seja, sobre se há um ou mais sistemas de regras dedutivas. O importante é que todos esses sistemas têm propriedades lógicas que também se pode programar a forma de um software.

Por isso, uma IA não pode cometer erros. Ela pode, de fato, quebrar, ser infectada com um vírus e precisará continuamente de updates de software, pois nenhum software jamais pode ser perfeito. Mas se meu computador quebra, ele não comete nenhum erro. As operações de meu computador são pura lógica. Não há nenhuma psicologia de computadores.

A era digital é uma era do império da lógica sobre o pensamento humano. O nosso pensamento se orienta pela lógica como representação de seu objetivo. Isso, porém, não significa que pensamos de fato logicamente; ou seja, que extraímos, em pequenos passos que podem ser apreendidos como algoritmos, conceitos de nossos pensamentos e os ligamos, segundo as regras da lógica, em novos pensamentos. Como seres vivos, trabalhamos sob a pressão do tempo e preferimos cometer erros lógicos a demorar muito para calcular, a fim de obter um resultado. Além disso, somos seres vivos emocionais, diferentes em caráter e reflexivos, que nem sempre recorrem à lógica para concretizar os seus objetivos. A comunicação humana é, por isso, sob a maior parte das condições fora da ciência, logicamente indisciplinada.

No dia a dia se trocam trapos de pensamento e frequentemente se fala bastante besteira [Unsinn]. As besteiras que trocamos uns com os outros têm, na maior parte do tempo, a função de organizar um funcionamento mais ou menos sem atritos de situações sociais, do small talk até reuniões administrativas. Por isso, muitos se irritam secretamente sobre as besteiras de que se fala dia a dia, pois, para seres que descobriram a lógica, é um desaforo com quantas falácias e quantas opiniões falsas elas são confrontadas.

A nossa psicologia do cotidiano é um imbróglio de besteiras que nós estruturamos socialmente a fim de que nossa civilização não desabe por causa do caos mental policromático que ocorre o tempo todo[101]. Seres humanos, justamente, não estão interessados o tempo todo em uma racionalidade logicamente otimizada, mas agem sob influências muito diferentes, o que não se pode evitar, pois não somos, afinal, o senhor Spock. Exatamente pelo fato de que temos módulos diferentes a que recorremos, somos sujeitos de fato passíveis de erro, mas também, justamente, equipados com objetividade.

A inteligência artificial não é uma cópia do pensar humano. Antes, ela é um modelo do pensamento. Ela é um mapa lógico de nosso pensamento em que se desliga a nossa pressão de tempo e as nossas carências como seres vivos finitos, que não poderiam de modo algum pensar se não dispusessem de um organismo mortal, que codetermina drasticamente o nosso campo de interesses.

Todavia, os limites da lógica são os limites da inteligência artificial. Nada nem ninguém é mais inteligente do que a lógica. A lógica baliza o campo do pensável, pois ela prescreve o que devemos pensar, se nossos pensamentos devem constituir uma interligação estável. Para além da lógica não se encontra nenhuma operação inteligente, de modo que a lógica marca o limite não ultrapassável do pensar.