A mudança histórica de paradigmas acorda naturalmente em nós o espectro do relativismo, que mais do que a ciência, preocupa a filosofia e, de modo especial, a teologia. O problema concentra-se na pergunta se a ruptura, em que assenta o paradigma, é tão radicalmente descontínua como uma nova «creatio ex nihilo» ou se, pelo contrário, subjaz a toda a história fulgurante de modelos e de diferenças uma unidade ou continuidade nos confins das ciências, nas raízes permanentes da filosofia ou na profundidade misteriosa da fé. Thomas Kuhn reconhece que mesmo nas Ciências da Natureza continua o mesmo banco de dados, que apenas «são subsumidos sob o novo sistema de relações recíprocas», pois o trânsito, v.g., da mecânica newtoniana para a mecânica einsteiniana não acrescenta novos objetos ou conceitos mas apenas «uma deslocação da rede conceptual, através da qual os cientistas contemplam o mundo. É que realmente, por radicais que se afigurem as mutações, «o cientista, após uma revolução, vê ainda o mesmo mundo», a sua linguagem e a maior parte dos aparelhos continuam os mesmos, embora anteriormente se tenham aplicado de outro modo. Isto significa que a mudança de paradigmas jamais é tão perfeita como a expressão pode insinuar e que os paradigmas concorrentes não se escudam em imagens irredutíveis de mundo mas ocultam, sob a superfície de descontinuidades teoréticas, uma continuidade subliminar e profunda. Por isso, é inadequada a linguagem que oponha sistematicamente uma visão absolutista a uma relativista, uma plena continuidade a uma total descontinuidade, a racionalidade pura à irracionalidade, a estabilidade perfeita de conceitos à mutabilidade conceptual, a evolução à revolução. É pertinente a afirmação de Th. Kuhn de que a novidade pela novidade não é qualquer desideratum científico, pois o problema nuclear estriba não na novidade isolada arrancada criativamente ao nada mas na reformulação da tradição à luz do novo paradigma ou numa novidade solidária e não narcísica. Surge-nos, deste modo, a questão primacial da verdade e da sua história estruturada segundo paradigmas, que se apresenta como continuidade descontínua, como, identidade nas diferenças ou unidade na multiplicidade de opostos e habita na raiz mais concreta e profunda da vida. Neste contexto, é possível reler a analogia do ser e da verdade como historicidade, a ocultação do excesso como o não-dito, que envolve todo o dizer e é esperança de futuro ou dimensão surpreendente e nova da mansão dos homens. É o excesso do ser e da verdade que desencadeia a ruptura e a mudança de modelos, semeia a descontinuidade e a oposição por fidelidade a si mesma e mantém a razão em permanente auto-transcendência. Este mesmo excesso, porém, impede as rupturas radicais e absurdas e o recalque pleno e absoluto do paradigma antigo, que continuará a fulgir na cintilação do novo, não fossem todos fulgurações do mesmo foco, cuja luminosidade é, para nós, também noite escura. Não só o evangelium se distingue, sem separação, dos paradigmas teológicos mas também o ser se diferencia, sem separação, dos modelos ou formulações epocais da filosofia, pois nos dois casos o pluralismo é sempre por causa da verdade e jamais contra ela.