Stiegler1994
É para “distinguir essa propriedade toda especial da Evolução que torna de certo modo previsíveis as consequências da ação ‘meio exterior-meio interior’” que Leroi-Gourhan assume “o termo filosófico de ‘tendência’” onde vê “um movimento, no meio interior, de apropriação progressiva do meio exterior”. Esse movimento de apropriação, muito próximo do que condiciona a morfogênese dos organismos em seus meios, exclui qualquer possibilidade de classificação a priori das tendências: ele só aparece através dos fatos, e as tendências “só se tornam explícitas em sua materialização, deixando então de ser propriamente tendências. É por isso que confundimos a tendência particular e o primeiro grau do fato” – o que significa também que, como veremos em Simondon, a forma não precede a matéria, e que é preciso inscrever em outra categorização o processo de individuação que constitui a evolução técnica como diferenciação. Mas em Simondon, o objeto técnico industrial concretiza em si mesmo, sem intervenção de um meio interior, essa dinâmica, que tende então para uma perfeição tecnológica por integração e sobredeterminação de funções, e implica um novo conceito de meio: o meio associado. O meio interior está ausente porque, o objeto técnico tendo se tornado industrial, houve diluição do meio interior no meio exterior – o meio em geral não constituindo mais, com isso, uma exterioridade.
Em Leroi-Gourhan, a tendência procede ao contrário do encontro de duas fontes, respectivamente intencional e física, e provenientes dos meios interior e exterior (o limite do raciocínio consistindo no esquecimento aparente da especificidade da era industrial). O encontro dos dois meios é o acoplamento do homem enquanto ser social à matéria enquanto sistema geográfico, comparável com o acoplamento estrutural do vivo e de seu ecossistema. A relação do meio interior com o meio exterior, expressão do acoplamento do homem à matéria levado à escala do grupo, deve ser interpretada como seleção das melhores soluções possíveis, onde a tendência, que é seu critério tanto quanto seu motor, repousa “por um lado”, o dos critérios, sobre as próprias leis do universo. Esse aspecto da tendência fornece o conceito de convergência técnica:
“Cada ferramenta, cada arma, cada objeto em geral, da cesta à casa, responde a um plano de equilíbrio arquitetônico cujas grandes linhas oferecem suporte às leis da geometria ou da mecânica racional. Há portanto todo um lado da tendência técnica que se liga à construção do próprio universo e é tão normal que os telhados sejam de duas águas, os machados empunhados, as flechas equilibradas a um terço de seu comprimento quanto é normal para os gastrópodes de todos os tempos terem uma concha enrolada em espiral. […] Ao lado da convergência biológica, existe uma convergência técnica, que oferece desde os primórdios da Etnologia parte da refutação das teorias de contato.”
O conceito de meio associado que encontraremos em Simondon constitui uma complicação dessa hipótese: há transformação do universo pela tendência técnica. As dificuldades ecológicas que caracterizam nossa época técnica só podem fazer sentido desse ponto de vista: um novo meio emerge, tecno-físico e tecno-cultural, cujas leis de equilíbrio não são mais dadas. A convergência é criadora de realidade e de valores novos – mas pode-se também imaginar que ela engendre ao mesmo tempo formas desconhecidas de divergência.
Aqui, a tendência é um duplo movimento pelo qual meio interior e meio exterior aderem, em condições diversas, submetidas por exemplo ao que Leroi-Gourhan chama tendência restrita, ou ainda obstáculo à tendência, fenômenos locais pelos quais ela se traduz em fatos diversos, onde a singularidade dos lugares resiste à universalidade da tendência.
O outro aspecto da tendência, motor, provém do meio interior: as pedras não se erguem espontaneamente em muros, e o determinismo certo da tendência não é decididamente um mecanismo. Proveniente de uma enigmática intenção do meio interior, ela se difrata em uma diversidade de fatos como um raio luminoso passando através de um meio aquoso quando é refletido pelo meio exterior, e nesse sentido o determinismo permanece “frouxo”, e a racionalidade não menos enigmaticamente “difusa”. Há uma “intencionalidade tecnológica” que “difrata” através de uma opacidade relativa a uma localidade que não é apenas física, mas igualmente humana:
“A tendência é própria do meio interior, não pode haver tendência do meio exterior: o vento não propõe à casa um telhado determinado, é o homem que tende a dar ao seu telhado o perfil mais favorável. […] O meio exterior se comporta como um corpo absolutamente inerte contra o qual a tendência vem se quebrar: é no ponto de choque que se encontra o testemunho material. […] A tendência que, por sua natureza universal, está carregada de todas as possibilidades expressáveis em leis gerais, atravessa o meio interior, banhado pelas tradições mentais de cada grupo humano; ela aí adquire propriedades particulares, como um raio luminoso adquire ao atravessar corpos diferentes propriedades diversas, encontra o meio exterior que oferece a essas propriedades adquiridas uma penetração irregular, e no ponto de contato entre o meio interior e o meio exterior se materializa essa película de objetos que constituem o mobiliário dos homens.”
É como agente da intenção e corretor da difração que se constitui um subconjunto do meio interior: o meio técnico.