Edgar Morin – O domínio do conceito de sistema

Excertos de «Ciência com Consciência», tradução Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória. Ensaio original: “O sistema: paradigma ou teoria”, conferência inaugural, congresso da A.F.C.E.T., Versalhes, 21 de novembro de 1977.

O primeiro domínio que importa é o do conceito de sistema.

Ora, a teoria dos sistemas revelou a generalidade do sistema, não sua “genericidade”.

A generalidade do sistema: tudo aquilo que era matéria no século passado tornou-se sistema (o átomo, a molécula, o astro); tudo aquilo que era substância vital tornou-se sistema vivo; tudo aquilo que é social foi sempre concebido como sistema. Mas essa generalidade não basta para dar à noção de sistema seu lugar epistemológico no universo conceituai.

A teoria dos sistemas resolveu aparentemente o problema: o sistema depende de uma teoria geral (a teoria dos “sistemas gerais”), mas não constitui um princípio de nível paradigmático: o princípio novo é o holismo, que procura a explicação no nível da totalidade e se opõe ao paradigma reducionista, que procura a explicação no nível dos elementos de base. Ora, eu queria mostrar que o holismo depende do mesmo princípio simplificador que o reducionismo, ao qual se opõe (ideia simplificada do todo e redução do todo). Como indiquei1, a teoria dos sistemas não escavou seus próprios alicerces, não elucidou o conceito de sistema Assim, o sistema como paradigma permanece larvar, atrofiado, não esclarecido; a teoria dos sistemas sofre, portanto, de carência fundamental: tende incessantemente a cair nos trilhos reducionistas, simplificadores, mutuantes, manipuladores de que se devia libertar e libertar-nos.

Ora, a inteligência do sistema postula um novo princípio de conhecimento que não é o holismo. Isso só é possível se se conceber o sistema não só como um termo geral, mas também como um termo genérico ou gerador, isto é, como um paradigma (definindo-se aqui paradigma como o conjunto das relações fundamentais de associação e/ou de oposição entre um número restrito de noções-chave, relações essas que vão comandar-controlar todos os pensamentos, todos os discursos, todas as teorias).

A noção de sistema foi sempre uma noção-apoio para designar todo o conjunto de relações entre constituintes formando um todo. A noção só se torna revolucionária quando, em vez de completar a definição das coisas, dos corpos e dos objetos, substitui a de coisa ou de objeto, que eram constituídos de forma e de substância, decomponíveis em elementos primários, isoláveis nitidamente em espaço neutro, submetidos apenas às leis externas da “natureza”. A partir daí, o sistema separa-se necessariamente da ontologia clássica do objeto. (Descobriremos que o objeto da ciência clássica é um corte, uma aparência, uma construção, simplificada e unidimensional, que mutila e abstrai uma realidade complexa que se enraíza na organização física e na organização psicocultural.) Conhecemos a universalidade da ruptura que a noção do sistema traz com relação à noção de objeto; falta considerar a radicalidade dessa ruptura e a verdadeira novidade que poderia trazer.


  1. O sistema: paradigma ou teoria”, conferência inaugural, congresso da A.F.C.E.T., Versalhes, 21 de novembro de 1977.