O homem encontra-se seduzido e tentado pela tecnologia da informação, por sua engenhosidade representacional, por suas imensas possibilidades de exploração do resultado da codificação de sua razão e de sua memória, assim como da razão e da memória coletiva. “Assim desafiado e provocado o homem se acha imerso na essência da com-posição”. É seu destino, mas não sua fatalidade1).

No auge da técnica moderna, onde a tecnologia da informação se manifesta como forma concreta da metafísica da Modernidade, permeando todas as atividades humanas, o perigo é grande. Onde a essência da técnica moderna, a com-posição, revela-se no dar-se e propor-se da informática, o perigo é intenso. Como sempre, abrem-se caminhos, possibilidades diante de um perigo iminente, à medida de uma autêntica aquiescência do que reina soberano.

Uma possibilidade é seguir o curso ditado pela essência da técnica, à qual o homem não apenas responde, mas “se com-põe”. A outra seria o esforço por despertar de sua sonolência, emaranhado em tantas dis-posições e dis-positivos, e buscar a “essência do que se des-encobre e seu desencobrimento, com a finalidade de assumir, como sua própria essência, a pertença encarecida ao desencobrimento”2.

Do mesmo modo, em que a natureza, expondo-se, como um sistema operativo e calculável de forças pode proporcionar constatações corretas mas é justamente por tais resultados que o desencobrimento pode tornar-se o perigo de o verdadeiro se retirar do correto.

O destino do desencobrimento não é, em si mesmo, um perigo qualquer, mas o perigo.

Se, porém, o destino impera segundo o modo da com-posição, ele se torna o maior perigo, o perigo que se anuncia em duas frentes. Quando o descoberto já não atinge o homem, como objeto, mas exclusivamente, como disponibilidade, quando, no domínio do não-objeto, o homem se reduz apenas a dis-por da dis-ponibilidade – então é que chegou à última beira do precipício, lá onde ele mesmo só se toma por dis-ponibilidade. E é justamente este homem assim ameaçado que se alardeia na figura de senhor da terra. Cresce a aparência de que tudo que nos vem ao encontro só existe à medida que é um feito do homem. Esta aparência faz prosperar uma derradeira ilusão, segundo a qual, em toda parte, o homem só se encontra consigo mesmo. Heisenberg mostrou, com toda razão, que é assim mesmo que o real deve apresentar-se ao homem moderno. Entretanto, hoje em dia, na verdade, o homem já não se encontra em parte alguma, consigo mesmo, isto é, com a sua essência. O homem está tão decididamente empenhado na busca do que a com-posição pro-voca e ex-plora, que já não a toma, como um apelo, e nem se sente atingido pela ex-ploração. Com isto não escuta nada que faça sua essência ex-sistir no espaço de um apelo e por isso nunca pode encontrar-se, apenas, consigo mesmo.3

Outro exemplo pode ilustrar sobejamente esta reflexão. No uso de um Sistema de Informação Geográfico, como o indicado anteriormente, para análise de imagens de satélite, o homem cria a ilusão de uma perspectiva de “lugar algum” (de um deus?) de onde visualiza as imagens da Terra. Um lugar definido segundo os parâmetros do espaço e do tempo4), mas infinitamente distante das proximidades e vizinhanças onde o homem habita.

Nesta posição, o homem é levado pela tecnologia a uma dis-posição privilegiada para fazer diferentes juízos sobre o que vê; juízos estes determinados pela imagem do ente, ou melhor, pela ilusão geográfica, que lhe é dada pelo dis-positivo de representação. A Terra se reduz a uma imagem artificial analisada e operada por um engenho de representação que tem entres suas dis-posições e seus dis-positivos um ser humano “conectado”, que vive intensamente a quimera de ter alcançado a situação de “mestre e senhor da natureza”.

Mas como muito bem afirma Heidegger, não são “as máquinas e equipamentos técnicos, cuja ação pode ser mortífera”. A tecnologia da informação, ou mesmo qualquer sistema construído sobre ela não são um problema, mas sim o “mistério de sua essência”, à qual o homem faz questão de ignorar, vetando um desencobrimento mais originário. Abandona a experiência de uma verdade mais inaugural, em prol da exatidão da imagem do ente oferecida pela tecnologia, em prol da ilusão do virtual.


  1. A essência da técnica moderna repousa na com-posição. A com-posição pertence ao destino do desencobrimento. Estas afirmações dizem algo muito diferente do que a frase tantas vezes repetida: a técnica é a fatalidade de nossa época, onde fatalidade significa o inevitável de um processo inexorável e incontornável. (HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel e Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2002, pág. 28 

  2. ibid, pág. 29 

  3. ibid, pág. 30 

  4. Embora na sua expansão como parâmetro espaço e tempo jamais admitam o encontro face a face de seus elementos, é precisamente quando espaço e tempo predominam como parâmetros para toda representação, produção e recomendação, ou seja, como parâmetros do mundo da técnica moderna, que eles alcançam de forma extraordinária o prevalecer da proximidade, ou seja, a proximitude dos campos do mundo. Quando tudo se dispõe em intervalos calculados e justamente em virtude da calculação ilimitada de tudo, a falta de distância se espraia e isso sob a forma de uma recusa da proximidade de uma vizinhança dos campos do mundo. Na falta de distância, tudo se torna indiferente em consequência da vontade de asseguramento e apoderamento uniforme e calculador da totalidade da terra. A luta pela dominação da terra entrou em sua fase decisiva. A exploração total da terra mediante o asseguramento de sua dominação só se instaura quando se conquista fora da terra a posição extrema para o seu controle. A luta por essa posição consiste no cálculo constante onde todas as referências entre todas as coisas se converte na ausência calculável de distância. Isso constitui a desertificação do en-contro face a face dos quatro campos de mundo, a recusa de proximidade. Nessa luta pela dominação da terra, espaço e tempo alcançam seu predomínio máximo enquanto parâmetros. Todavia, o seu poder irrefreado só é possível porque espaço e tempo já e ainda são outra coisa do que os bem conhecidos parâmetros. 0 caráter de parâmetro oblitera a essência do espaço e do tempo. 0 parâmetro encobre sobretudo a relação de sua essência com a essência vigorosa da proximidade. Mesmo sendo relações tão simples, elas se mantêm inacessíveis para o pensamento calculador. Onde elas se mostram, os hábitos representacionais impedem a sua visão. (HEIDEGGER, Martin. A caminho da linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2003, pág. 168 

Essência da Informática