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meio técnico-científico-informacional

O espaço hoje se subdivide entre sub-espaços onde há uma carga considerável de racionalidade e áreas onde isso ainda não ocorre. Onde os nexos científicos, tecnológicos, informacionais são importantes, temos aqui um meio técnico-científico-informacional, uma porção do território onde as racionalidades dos agentes hegemônicos se tornam possíveis e se dão eficazmente, porque essa área geográfica é formada por objetos criados prévia e deliberadamente para o exercício dessa racionalidade. Esse meio técnico-científico que inclui saber é o suporte de produção do saber-novo, faz com que os outros espaços se tornem apenas os espaços do fazer. Os espaços comandados pelo meio técnico-científico são os espaços do mandar, os outros são os espaços do obedecer. [Milton Santos, TET, p. 106]

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computador

O computador é um sintetizador de ilusões informacionais sobre o qual se manifestam as chamadas aplicações da informática, onde as estruturas de dados simbólicos pretensamente representativos de qualquer ato ou fato humano, estruturas estas operadas por algoritmos, formam uma “com-posição [Ge-stell] programática” (dados simbólicos + algoritmos) que pretende mimetizar modalidades ocupacionais do “ser-no-mundo”, ou apenas a partes ou um simples aspectos dele, após uma espécie de desconstrução e reconstrução, destas ocupações do ser-no-mundo, ou partes, ou aspectos dele, sob o modo digital de um modelo dito “informacional”. Em resumo, o computador é um engenho de representação.

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informatização

A informatização pretende assim ser a realização do real pelo virtual. O virtual realiza o real, no sentido de “tornar real” o real. Uma incongruência que, cada vez mais, faz sentido para um contingente crescente da humanidade conectada como periférico de tecnologias da informação, interligadas pela teia da Internet.

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dar-se e propor-se

O dar-se e propor-se da informática [Vorliegen und Bereitliegen, GA7] caracteriza-se exatamente por um conjunto de dis-posições e dis-positivos que garantem o “dis-por do dis-ponível” enquanto informação, representação da razão e da memória humanas, para sua exploração. Mas o que está sendo posto em dis-ponibilidade para exploração, pela tecnologia da informação? O próprio homem. Sua razão e sua memória passam por dis-posições e dis-positivos que os tratam e processam como informação; armazenam como informação para exploração; e, transmitem e disseminam como informação.

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informática

O “dar-se e propor-se da informática” culmina todo o avanço tecno-científico moderno, na expressão de um engenho de representação informacional/comunicacional, produto e produtor de um meio técnico-científico-informacional, dentro do qual a humanidade é cooptada, conduzida e regida pela exigência crescente dos ditames extra-técnicos da tecnologia neste dar-se e propor-se.

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técnica

Técnica e tecnologia são dois termos que estranhamente intercambiaram suas noções desde o século XVIII. A tecnologia, que originalmente se referia ao “discurso da técnica”, veio indicar o equipamento, máquina ou dispositivo propriamente dito, enquanto a técnica veio a se ocupar do discurso sobre ela mesma. Neste sentido se usa o termo ‘técnica’, afinado com a noção grega original de arte, de savoir-faire ou de “fazimento”. E, é justamente a técnica sob esta noção de “fazimento”, como denominou Darcy Ribeiro os fazeres indígenas, que nos interessa em nossa reflexão, em que prima a “questão da técnica” posta por Heidegger [GA7].

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representação

Diferenciando-se do percepcionar grego, o representar moderno, cujo significado é expresso aproximadamente pela palavra repraesentatio, quer dizer algo muito diferente. Re-presentar significa aqui trazer para diante de si o que-está-perante enquanto algo contraposto, remetê-lo a si, ao que representa, e, nesta referência, empurrá-lo para si como o âmbito paradigmático. Onde tal acontece, é o homem que, sobre o ente, se põe como imagem. Mas na medida em que o homem, deste modo, se põe como imagem, ele põe-se a si mesmo em cena, isto é, no círculo aberto do que é universal e publicamente representado. Com isso, o homem põe-se a si mesmo como a cena, na qual o ente doravante se tem de re-presentar, presentificar [präsentieren], [114] isto é, ser imagem. O homem torna-se no que representifica [Repräsentant] o ente, no sentido do que é objetivo. [Heidegger, GA5]

Lamentavelmente, as respostas à questão “o que é a informática?” não conseguem evitar o lugar-comum das definições baseadas seja na funcionalidade, seja na estrutura, seja nas aplicações do computador. É muito difícil ver a informática além do computador.

A pobreza das respostas dadas à questão “o que é a informática?” demonstra que todas sofrem da natural dificuldade de responder o que é, sem cair em uma “de-finição”, em uma imposição de uma finitude do que é, nos limites de sua entidade e de suas propriedades, enquanto objeto visado. Neste caso, só há como recolher e promover os aspectos funcionais, estruturais ou aplicativos da informática.

Uma possível solução a esta aporia é a investigação da natureza da informática no sentido de sua “produção original”, de sua genealogia. Examinando na coalescência dos elementos (causas) que constituem o dar-se e propor-se da informática, a morfogênese deste dar-se e propor-se sob a ação de ideias mentoras, em sua ontogenia comum com o meio técnico-científico-informacional, sob luz da essência da técnica moderna, a Ge-stell, a com-posição. Outra possível solução seria um esforço de aprofundamento das notas de Heidegger à questão da técnica e tantos outros escritos seus, sob o tema, buscando desvendar a essência da informática, onde fulgura a Ge-stell.

Essa última solução é o caminho que responde de fato à essência da informática, enquanto plena manifestação da essência da técnica moderna, preparando um relacionamento livre com a informática, capaz de abrir o Dasein à experiência do “que é a informática?”. Um caminho que percorrido em toda sua extensão pode conduzir à compreensão do homem, pelo entendimento da metafísica contemporânea.

Pode-se chamar, numa única palavra, de “técnica” a forma fundamental de manifestação em que a vontade de querer se institucionaliza e calcula no mundo não-histórico da metafísica acabada. […]
Compreende-se aqui o nome “técnica” de modo tão essencial que, em seu significado, chega a coincidir com a expressão acabamento da metafísica. .

É grande a exigência sobre o “ser capaz” para percorrer este caminho reconhecendo todos seus meandros e ramificações. O nível de concentração e de sustentação da atenção necessários ao entendimento profundo dos dizeres de Heidegger ainda estão aquém do necessário para tal a empreitada. O resultado foi uma espécie de solução de compromisso entre as duas soluções possíveis.

A ascese pelo ser capaz de ir aonde se abre este pensar a “questão da informática”, deve aprender a aprender, deve ser fiel ao pensar na rememoração interrogativa da longa história do ser. Deve trilhar uma nova vereda de aprendizado da técnica que reconheça, como afirma Taminiaux (), a metafísica, enquanto discurso sobre todo ente como tal, onto-logia; enquanto afirmação do ente supremo como fundamento de todos os entes, teo-logia; enquanto esquecimento crescente do Ser, selando o destino do Ocidente e até aquele do próprio planeta; mas, acima de tudo, enquanto longe de ser algo exterior ao Ser, mas um disfarce sob o qual o Ser mesmo se destina ao homem ocidental.

Mas como haveríamos de encontrar a luminosidade do pensamento, se não nos deixamos conduzir pelo amplo caminho do pensamento e, assim, aprendemos a pensar no vagar?

Talvez a questão seja mais primária. Talvez precisemos primeiro aprender a aprender, e aprender a poder aprender. E, talvez, seja ainda mais primária. Talvez precisemos primeiro estar prontos para aprender a aprender. O que é isso, aprender? Uma só palavra não é capaz de responder, mas somente de esclarecer: aprender é apropriar-se com saber de algo a partir de uma indicação e assinalamento, a fim de presentear esse algo como propriedade do saber, sem perdê-lo ou empobrecê-lo. Aprender diz respeito a um tornar próprio mediante o saber, uma propriedade do saber que não nos pertence, mas à qual nós pertencemos. Precisamos primeiro aprender a aprender. Tudo deve ser muito primário, muito cheio de espera, muito lento, para que, enquanto o único envio de destino, o verdadeiro possa vir verdadeiramente ao nosso encontro e ao encontro de nossos sucedâneos, sem que seja preciso calcular quando, onde e em que fisionomia isso ocorrerá com propriedade. Deve surgir uma geração de lentos, para que a pressa exagerada da vontade de produção e a corrida das prestações e apontamentos, para que a cobiça de informações imediatas e soluções baratas não nos precipitem num vazio ou nos desviem para a fuga, em opiniões e crenças apenas derivadas, que nunca podem constituir origem, unicamente subterfúgio. ()

Na periferia da questão “o que é a informática?” sua natureza foi de certo modo descoberta, embora sua essência continue velada. A não ser por alguns vislumbres ocasionais onde a força do questionamento fenomenológico de Heidegger ajudou a romper os limites sobrepostos a esta investigação. Mas faltou admitir a técnica como o aquilo que melhor “re-presenta” o homem, na própria ambivalência da metafísica dos Tempos Modernos, onde o Ser se disfarça em representação.

A questão da técnica e em especial da informática continua aberta. A re-velação da natureza da informática empreendida neste trabalho descortina um leque de possibilidades de aproximação de sua essência, mas também aumenta o risco de se deixar de ver a floresta pela diversidade de árvores que se contemplou.

Ao concluir essa exposição, fica ainda a forte sensação que, uma vez relidos e repensados o texto e sua bibliografia, ou seja, refeito e repensado todo o percurso, sem se afastar um só momento do pensamento de Heidegger, sobre o homem, a técnica e a metafísica, se habilitará o ser capaz de revelar a essência da técnica moderna, a Ge-stell, sob o fulgor da informática.

Como vislumbrou Chazal, a partir de um quadro de Delvaux, onde diante de um espelho uma bela mulher vestida se reflete inteiramente nua, o engenho de representação, em sua mimese da razão e memória humanas, reflete também sob a luz da Ge-stell o animal racional grotescamente promovido pelo pensamento ocidental. O difícil é ver o meio e a luz que ilumina esta mimese, sem se perder no deslumbramento da realização tecnológica.

Mas, isto não é possível em um doutorado e quiçá não o seja em toda uma vida. Vale, no entanto, o esforço, não apenas como pensar, mas especialmente como exercício, como ascese que nos possa conceder o “ser capaz” de enfrentar a questão da informática segundo a “lógica do coração”.

De qualquer modo, no dizer do poeta Fernando Pessoa: “tudo vale a pena se a alma não é pequena”…

Nossa conclusão provisória em um pensar que apenas está começando, é que o dar-se e propor-se da informática culmina todo o avanço tecno-científico moderno, na expressão flagrante da essência da técnica moderna, a Ge-stell, em um engenho de representação informacional-comunicacional, produto e produtor de um meio técnico-científico-informacional.

Na “manualidade” deste instrumento a humanidade corre o sério risco de perder-se no encantamento de seu poder de representação e, por conseguinte, na sedução de um ilusório domínio sobre as coisas. A vontade de poder se potencializa com seu êmulo artificial e expõe assim o homem a sanha, a hubris, com todas as suas consequências.

O que passa muitas vezes desapercebido em tudo isso, que ora constata-se, é a questão da regência deste dar-se e propor-se da informática. Quem rege e como rege este dar-se e propor-se, são críticos na constituição da informática. O que é o homem enquanto dialoga com esta tecnologia? Quem sou eu enquanto usuário de informática?

Mas, como afirma Heidegger, onde há o risco lá se encontra também o que pode salvar. Nesta ambiguidade dramática reza o ser capaz de pensar a essência da técnica moderna, em postura de reconhecimento e redenção do perigo extremo que ameaça trancar o homem na dis-posição da representação informacional-comunicacional, como único modo de descobrimento do real.

Essência da Informática