O discurso do SIG é o discurso da representação do mundo.1 Neste sentido, faz eco à concepção de mundo contemporânea, ou, como diria Martin Heidegger2, se orienta pela metafísica da Modernidade. Metafísica esta que deve ser entendida como a empreitada histórica ocidental que busca a determinação do ser do ente e a da concepção da verdade. Para Heidegger, esta metafísica da subjetividade, se voltando para a questão da natureza ontológica do ente, foi levada a interpretar ser a partir de ente, deste modo, a esquecer a diferença ontológica e abandonar a questão do ser.
Esta reflexão orienta-se por essa linha crítica de abordagem fenomenológica e hermenêutica da Modernidade, da Razão Moderna e do meio humano que esta mobiliza. Dentro deste domínio amplo, a reflexão tem a pretensão de desvendar um paradoxo muito específico, mas ao mesmo tempo muito geral. Em outras palavras, um paradoxo que em sua especificidade, ou em sua faceta regional, no âmbito da Geografia Humana, se manifesta na diferença ontológica entre SIG e sig, e que, na plenitude de sua generalidade, poderia se classificar como paradoxo da essência e da aparência.
Essa diferença ontológica entre SIG e sig se anunciou pela primeira vez quando investiguei a “natureza” do SIG. Àquela ocasião pressenti que o SIG, enquanto Sistema de Informação, não é o sig, enquanto uma tecnologia da informação (TI). Embora o sig detenha a aparência de um SIG (Sistema de Informação Geográfico), e guarde, de fato, em grande parte, seu vir-a-ser, reunindo em si os princípios de sua futura constituição e instituição em uma dada pesquisa ou organização.
Ao longo de minha experiência, no desenvolvimento de SIGs para pesquisas diversas, o que era um pressentimento inicial tornou-se uma evidência: existe de fato uma significativa diferença entre o SIG e o sig. Não se pretende apenas demonstrar esta evidência, mais ou menos óbvia, mas assegurar que o SIG não é e não está determinado de modo absoluto pelo sig, e nem deve ser ou estar assim determinado.
Em termos filosóficos, o “ente” sig guarda em si algumas possibilidades de “ser” SIG, ou seja, o sig é um SIG em potência, mas sua manifestação de fato, na constituição e instituição de um SIG concreto, pode se dar segundo a condução tecnológica do sig ou segundo a orientação do “ser” humano que se estabelece como aquele que de fato constitui e institui o SIG a partir do sig. Dito de outro modo, o SIG se constitui e se institui de qualquer modo na interação entre pessoa e ente sig, porém a natureza tecnicista ou humanista do SIG se dá em função da presença ou ausência de certa atitude de “ser” humano nesta interação.
Resumindo, focalizando o SIG, no âmbito da Geografia Humana, defino um domínio para essa investigação. Um domínio onde o referido paradoxo ontológico SIG-sig adota a seguinte formulação: o Sistema de Informação Geográfico, o SIG, é e não é o sistema de informação geográfico, o sig. Em termos menos enigmáticos: o Sistema de Informação Geográfico, o SIG, é e não é o sistema tecnológico sobre o qual ele se constitui, ou, como vai se explicar nesta seção, o sintetizador de ilusões geográficas, cuja sigla também é sig. No reconhecimento do sig, como um engenho de representação do mundo, contendo em germe a disposição de quase todos os elementos ingredientes do SIG, ao longo de sua constituição e de sua instituição, reafirma-se: o SIG é e não é a tecnologia sobre a qual se constitui. O SIG não é o sig, pois pode e deve ser muito mais que ele; ao mesmo tempo, o SIG é o sig pois realiza o que este traz em princípio, embora possa não se reduzir apenas a isto.
Diferenciando-se do percepcionar grego, o representar moderno, cujo significado é expresso aproximadamente pela palavra repraesentatio, quer dizer algo muito diferente. Re-presentar significa aqui trazer para diante de si o que-está-perante enquanto algo contraposto, remetê-lo a si, ao que representa, e, nesta referência, empurrá-lo para si como o âmbito paradigmático. Onde tal acontece, é o homem que, sobre o ente, se põe como imagem. Mas na medida em que o homem, deste modo, se põe como imagem, ele põe-se a si mesmo em cena, isto é, no círculo aberto do que é universal e publicamente representado. Com isso, o homem põe-se a si mesmo como a cena, na qual o ente doravante se tem de re-presentar, presentificar [präsentieren], [114] isto é, ser imagem. O homem torna-se no que representifica [Repräsentant] o ente, no sentido do que é objectivo. [HEIDEGGER, Martin. Caminhos de Floresta. Tr. Irene Borges-Duarte et alii. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2014, p. 113-114] ↩
ibid., p. 97 ↩